No começo deste inverno, um conjunto de estatísticas do Ministério da Saúde veio a público para causar estrondo. Os números indicavam uma queda abrupta na vacinação contra doenças como poliomielite, sarampo, coqueluche e difteria. Seguiu-se uma compreensível comoção nacional. Depois de um esforço de décadas para erradicar ou controlar essas e outras enfermidades graves, com investimentos pesados e amplas campanhas de mobilização popular, o Brasil via-se diante de mais um fracasso. Entreabrira uma porta para a volta de fantasmas que pareciam esquecidos no passado.
Soaram os alarmes e partiu-se para a busca de explicações. Uns atribuíram a culpa ao sucateamento do sistema de saúde pelo governo Michel Temer. Outros citaram a influência de mobilizações antivacina, que estariam circulando pelas redes sociais. Também se criticou o fim das grandes campanhas estreladas por Zé Gotinha e se diagnosticou um relaxamento por parte da população e de profissionais de saúde decorrente da sensação de segurança proporcionada por décadas de ausência, no país, de doenças que antes apavoravam as famílias.
O ambiente de sobressalto que se criou foi reforçado pela vigência, em diferentes regiões, de surtos de sarampo. Considerada erradicada em território nacional em 2016, uma vitória da política de imunizações, a doença reapareceu na Amazônia, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Isso só podia significar uma coisa: que nem todo mundo estava vacinado contra o vírus causador.
O próprio ministério colocou mais lenha na fogueira ao publicar uma lista de 312 cidades brasileiras que, no ano passado, vacinaram contra a pólio menos de 50% do que deviam. Apontava o dedo para uma série de municípios que imunizaram apenas 1%, 2% ou 3% das crianças (a meta é 95%). Ao fazê-lo, no entanto, o governo federal lançou desconfiança sobre os próprios dados. Muitos dos municípios citados contestaram a informação, demonstrando que haviam vacinado muito mais gente do que o informado pelas autoridades de Brasília e que as estatísticas estavam redondamente equivocadas.
De repente, tornava-se legítimo até mesmo questionar se, de fato, houve a tal queda repentina e acentuada da cobertura vacinal do brasileiro.
No final das contas, como acontece com tanta frequência no Brasil, víamo-nos, diante de um problema sério, cercados de versões conflitantes e afirmações questionáveis.
Os próprios dados foram apresentados, por grande parte da imprensa, de maneira enviesada. Tome-se o exemplo da pólio. O que chegou aos brasileiros, de forma geral, foi que a taxa de imunização contra a doença caiu para 77% em 2017. Então quer dizer que 23% – quase um em cada quatro brasileiros, 48 milhões de indivíduos – estão à mercê do vírus?
Não é isso. A estatística se refere exclusivamente às crianças com menos de um ano que, em 2017, deveriam ter tomado as três doses necessárias para se proteger contra a pólio, mas não o fizeram. Ou seja, diz respeito a um universo de 690 mil bebês – 0,3% da população nacional.
É algo com que devemos nos preocupar? Sim, porque o vírus ainda existe em partes do mundo e, caso entre no Brasil, pode encontrar uma brecha para se instalar. É caso para se apavorar? Não, pois, nos anos anteriores, com exceção de 2016, o Brasil ultrapassou com folga a meta de vacinar 95% dos nascidos vivos, índice que garante segurança contra a reintrodução do vírus.
Uma vez que se assegure que as crianças não atendidas em 2017 sejam imunizadas e que, nos próximos anos, o índice volte aos patamares normais, as chances de a pólio voltar são pequenas.
— Uma queda na imunização não significa que, de uma hora para a outra, a população está vulnerável. Não vamos ser alarmistas. A pólio está 99,9% controlada. Mas essa situação serve de alerta para nós trabalharmos e não permitirmos que surtos ocorram — diz Luciano Goldani, professor titular de infectologia da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Uma queda na imunização não significa que, de uma hora para a outra, a população está vulnerável. Não vamos ser alarmistas. A pólio está 99,9% controlada. Mas essa situação serve de alerta para trabalharmos e não permitirmos que surtos ocorram.
LUCIANO GOLDANI
Professor da Faculdade de Medicina da UFRGS
Como no caso da pólio, os dados estatísticos do ministério indicaram uma queda brusca da imunização (em recém-nascidos e crianças de um ano) para vários outras enfermidades nos anos de 2016 e 2017. A BCG, que protege contra a tuberculose, caiu da faixa de 105% da meta (2015) para 95,5% (2016) e, depois, 91,4% (2017). A vacina pentavalente – que inclui doenças como difteria, tétano e coqueluche – despencou 20 pontos percentuais em dois anos: bateu a meta em 2015, com 96,3% de abrangência, mas ficou em apenas 76,5% no ano passado.
A situação mais preocupante é a do sarampo, prevenido com duas doses: aos 12 meses de vida (por meio da tríplice viral) e aos 15 meses (tetraviral). No caso da primeira dose, o país chegou a registrar 112,8% da meta, em 2014 – o que significa que se vacinaram muito mais crianças do que o almejado. Mas em 2017 pela primeira vez não se atingiu o índice mínimo de 95%. A cobertura ficou em 83,9%. Esse não é o índice de crianças protegidas, porque a segunda dose é fundamental. E essa segunda dose, garantida pela vacina tetra viral, está pelo menos desde 2014 abaixo da meta, tendo atingido em 2017 o pior resultado: apenas 70,1%.
Nesse caso, trata-se de uma situação alarmante, porque há surtos de sarampo eclodindo no mundo todo – foram 21,3 mil diagnósticos na Europa no ano passado, com 35 mortes, e um total estimado em mais de 173 mil casos no planeta, 41 mil a mais do que em 2016. Era óbvio que, se o Brasil baixasse a guarda, a doença reapareceria aqui. E, de fato, reapareceu. Em 2016 e 2017, não houve nenhum caso no país.
Neste ano, já são cerca de 500 pacientes confirmados e 2 mil suspeitos. O Amazonas, com quase 300 confirmações, está em estado de emergência.
A volta do sarampo – que pode deixar um rastro de lesões oculares, complicações pulmonares e comprometimento do sistema nervoso, além de implicar risco de morte – é uma prova, segundo infectologistas e especialistas em saúde pública, de que o Brasil falhou. Se a população estivesse devidamente vacinada, os surtos não teriam ocorrido.
— As estatísticas não são precisas, e a vacinação é superior ao que aparece nesses números, mas basta ver o que está acontecendo com o sarampo para concluir que não temos a cobertura ideal — observa Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
E por que isso aconteceu? Uma das hipóteses levantadas atribui a queda da imunização à influência dos grupos que se opõem às vacinas. Esses lunáticos, que ganharam alguma notoriedade nos Estados Unidos e na Europa, propagam um credo segundo o qual vacinar-se pode trazer danos à saúde. Entre os profissionais que veem no atual quadro brasileiro um reflexo desse discurso obscurantista está Luciano Goldani.
— O Brasil pode ter todos os problemas, mas o serviço de vacinação é muito bom. Temos bons profissionais disponíveis e oferecemos aplicações gratuitas. A pessoa vai ao posto de saúde e recebe a dose em 10 ou 15 minutos. Por isso acredito que o movimento antivacina pode estar contaminando os pais. As pessoas fazem um questionamento, perguntam se são prejudiciais. E isso se alastra nas redes sociais — diz o professor da UFRGS.
De fato, começaram a ser rotina, nos consultórios pediátricos, perguntas relacionadas a boatos sobre efeitos maléficos da vacinação, mas que isso esteja realmente influenciando os brasileiros é controverso. Seria necessária, acreditam muitos, uma onda muito potente de discurso antivacina para explicar a queda tão repentina verificada de uma hora para outra.
Renato Kfouri concorda que o movimento antivacina existe e atrapalha, mas não está convencido de que tenha abrangência. Acredita que esse movimento não ganhou corpo entre os brasileiros:
– É claro que não ajuda, que é um desserviço, mas é um fenômeno tímido, que atinge uma quantidade desprezível de pessoas. No Brasil, esses grupos não prosperaram como em outros países, onde se fazem passeatas e pressionam-se os legisladores. Aqui não está organizado, só há um movimento digital muito pequeno, que felizmente não tem um impacto significativo na estatística.
GaúchaZH consultou Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo, referência em monitoramento das redes sociais no país. O Labic faz um mapeamento de temas proeminentes em redes abertas, como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e na própria web. Não detectou movimentação expressiva de manifestações antivacinas.
— A informação é que essas correntes circulam pelo WhastApp, que é uma rede fechada, mas, se fosse algo relevante, com certeza apareceria nas redes públicas também, até porque, para esses grupos, o que faz sentido é ter uma atuação pública. E nada disso apareceu no nosso radar. Se há alguma coisa, é algo que não tem capacidade de mobilizar muitas pessoas. Faz muito mais sentido que a queda da vacinação seja um reflexo das políticas públicas, que não estão conseguindo fazer o seu papel, e que se esteja jogando a culpa disso na corrente do WhatsApp — avalia Malini.
É nessa linha que vão as interpretações da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), para quem não é um mero acaso que o despencar das taxas de proteção coincida com o período de Michel Temer na presidência (ele assumiu em 2016, ano em que as coberturas começaram a afundar) e com a chamada Emenda Constitucional 95, por ele patrocinada e responsável por congelar os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Para a associação, se as barreiras que o Brasil tinha contra o vírus cederam, é porque o governo está investindo menos em saúde e oferecendo um serviço pior à população.
Ex-presidente da Abrasco entre 2009 e 2012 e coordenador da Rede Nacional de Mestrado Profissional em Saúde da Família, Luiz Augusto Facchini, professor da Universidade Federal de Pelotas (UfPel), lembra que a história da política de imunizações no país até agora era apenas de evolução, sem retrocessos, o que garantia uma cobertura invejável.
— A coincidência é absoluta. Temos dois anos de restrição orçamentária, de desorganização de processos, de alterações de procedimentos e de faltas eventuais de recursos financeiros e de pessoal. São dois anos de um processo de desorganização do sistema de saúde, em que o SUS foi tendo menos dinheiro. Temos atrasos administrativos, demoras em compras, problemas de distribuição. E é comum faltar vacina, não de forma sistêmica, mas por problemas de desorganização, de atraso e de redução nos aportes. Tudo isso acaba redundando em coberturas vacinais baixas, em patamares perigosos. E a perspectiva para o futuro não é boa, por causa da Emenda 95 — critica.
Também Breno Riegel Santos, chefe do serviço de infectologia do Hospital Conceição, responsabiliza as autoridades, que considera passivas:
— Se a população não se vacina, só tem um culpado. É o poder público, que não é capaz de convencê-la. Ele fica sentando na unidade de saúde, esperando que as pessoas apareçam. O que está faltando não é o governo dar entrevista dizendo que as pessoas não querem se vacinar. O que está faltando é um movimento ativo de convencimento.
O Ministério da Saúde não deu entrevista a GaúchaZH, sob a justificativa de problemas de agenda, mas respondeu a alguns questionamentos por e-mail, sustentando ter destinado recursos crescentes para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Após correção gramatical, a resposta enviada pelo ministério ficou assim: "O orçamento para as ações de Vigilância em Saúde teve um acréscimo de 108% nos últimos anos, passando de R$ 924,1 milhões, em 2010, para R$ 1,93 bilhão, em 2017. Esse recurso é destinado à vigilância das doenças transmissíveis, entre elas dengue, zika e chikungunya. Também são crescentes os recursos para a oferta de vacinas e soros, saindo de R$ 761,1 milhões, em 2010, para R$ 4,5 bilhões, no ano passado. Também são crescentes os recursos destinados às campanhas de publicidade para alertar a população sobre a importância da imunização na prevenção de doenças. Houve um aumento de 60% do valor do recurso de campanha de vacinação, de R$ 33,6 milhões, em 2015, para R$ 53,6 milhões, no ano passado".
A queda nas taxas de vacinação apontada pelas estatísticas oficiais também tem sido explicada, com frequência, por uma certa acomodação da população e da classe médica, resultante do longo período em que a parte expressiva das doenças infecciosas deixou de ser um problema cotidiano. Até três ou quatro décadas atrás, males como a pólio, o sarampo e a coqueluche eram palpáveis. O temor de que as crianças adoecessem era real — e muitas delas realmente adoeciam, às vezes com sequelas graves. Por isso, os pais não descuidavam. Faziam questão de vacinar. E foi assim que o Brasil erradicou ou colocou sob controle as principais enfermidades.
Nesse sentido, a atual despreocupação com a proteção seria fruto do próprio sucesso das vacinas. As famílias já não se sentem ameaçadas, já não são assombradas pelo espectro de enfermidades devastadoras. Pólio, sarampo e difteria parecem contos da carochinha, problemas do tempo dos nossos avós. A explicação seria simplesmente que, sem se sentir ameaçadas, as pessoas relaxaram.
— A percepção de perigo é fundamental. Basta ver as filas para se vacinar contra a gripe e a febre amarela, quando a população se sente ameaçada. Essa percepção existia quando a população e os profissionais de saúde conviviam com doentes e pessoas sequeladas. As gerações seguintes não conviveram com isso. Eu me formei em 1987 e nunca vi um caso de pólio. Há uma geração de médicos que nunca tratou sarampo, difteria, coqueluche, tétano. Pode ser que, por isso, também recomendem a vacinação de forma menos enfática — analisa Renato Kfouri, da SBP.
Parece que ninguém se dá conta do que é ser vítima da pólio. É uma situação terrível, dramática.
ARI HECK
Diagnosticado com pólio em 1966, sofre com os efeitos da chamada síndrome pós-pólio.
A acomodação por parte da sociedade choca o escritor e servidor aposentado do Tribunal Regional do Trabalho Ari Heck. Em 1966, quando tinha um ano e dois meses, ele foi diagnosticado com pólio em Boa Vista do Buricá. Esteve um mês em coma e viveu até os 15 anos numa cadeira de rodas. Fez uma cirurgia e só então foi aprender a caminhar, sempre apoiado em muletas. Cinco anos atrás, aos 48 anos, começou a sofrer os efeitos da chamada síndrome pós-pólio e teve de voltar à cadeira de rodas. Aposentou-se por invalidez. Coordenador da Associação Gaúcha dos Vitimados da Poliomielite e da Síndrome Pós-Poliomielite, Heck teve a vida inteira marcada por uma doença facilmente prevenível, mas que agora parece ser negligenciada por muitos brasileiros.
— Parece que ninguém se dá conta do que é ser vítima da pólio, da dificuldade que é conviver com um deficiente na família. É uma situação terrível, dramática. Somos 20 mil vitimados ainda vivos no Rio Grande do Sul e 200 mil no Brasil. A maioria ficou com sequelas gravíssimas, porque esse é um vírus com uma ação devastadora. Ataca os nervos e os músculos externos, da locomoção, ou então ataca um órgão vital. Não foi de graça que o Brasil erradicou a doença, e agora estamos colocando em risco todos esses anos de luta — desabafa.
Heck evoca com saudosismo as grandes campanhas de vacinação iniciadas antes da erradicação da pólio, ocorrida em 1989. Capitaneadas pelo personagem Zé Gotinha, elas mobilizavam o país. Ele avalia que essas campanhas foram abandonadas pelo governo, desmotivando a população, e defende que retornem, com urgência – opinião partilhada por vários profissionais de saúde.
A política nacional, no entanto, está calcada em um processo rotineiro, no qual as doses são aplicadas ao longo do primeiro e do segundo anos de vida, conforme um calendário previsto na carteira de vacinação. Com base nesse calendário, os pais devem ir a um posto de saúde nos períodos indicados para fazer a imunização. As campanhas e os dias nacionais de vacinação obedecem a uma lógica de reforço da proteção.
— A campanha de um dia específico visa à motivação, tem um efeito mais de educação, de mobilização, do que propriamente de solução. Só com campanhas não se soluciona o problema. O que precisa é dar prioridade ao tema — defende Luiz Augusto Facchini, da Abrasco.
As campanhas que Facchini advoga são aquelas que conscientizem a população e que tenham como efeito garantir que as cadernetas de vacinação seja mantidas em dia. Renato Kfouri também entende que as autoridades precisam apostar em informação, de modo a desfazer a falsa sensação de segurança que está vigente. Ele considera fundamental ainda assegurar que todo recém-nascido receba uma assistência em puericultura (com pediatra ou outro profissional que oriente e cobre a vacinação), que se revejam os horários de funcionamento dos postos (facilitando o acesso aos pais que trabalham), que se vençam os entraves burocráticos que fazem a vacina faltar nas unidades de saúde e que se leve a aplicação aonde a criança está — a escola, por exemplo.
— Tem de repensar todo o programa. Inclusive a comunicação, que antigamente era mais fácil, porque a doença estava diante dos nosso olhos. Agora essa comunicação tem de acontecer no nível digital, por intermédio de influenciadores, de forma diferente da que se fazia três décadas atrás — resume.
Essas preocupações seriam válidas mesmo em um quadro de alta cobertura vacinal — e é possível que as coberturas nacionais não tenham mudado tanto quanto as estatísticas sugerem. Na lista de municípios que teriam índices muito baixos de imunização, conforme o Ministério da Saúde — que indicou 312 cidades com vacinação contra a pólio abaixo de 50% da meta no ano passado –, a gaúcha Taquara apareceu com 47% de crianças vacinadas. Os órgãos de saúde do município, no entanto, garantem ter vacinado mais de 90%. Aos 33% atribuídos pelo governo federeal, Bento Gonçalves contrapôs um índice de 92%. E assim Brasil afora. Porto Amazonas, no Paraná, para dar mais um exemplo, figurou na lista do ministério com vacinação de apenas 39% das crianças, mas disse ter coberto 90% da população com até um ano de idade.
Se dados de muitas das 312 cidades elencadas pelo governo federal não batem, será que os dos outros mais de 5 mil municípios brasileiros também estão distorcidos? E não só no caso da pólio, mas das outras vacinas. Será que o alarme nacional recente foi baseado em um problema no registro?
O exame de uma situação típica pode ajudar a lançar luz sobre essas questões: o caso do município de Osório. Para a ministério, a cidade do Litoral Norte só imunizou 37,94% das crianças. Mas a prefeitura local apresenta dados inequívocos: teve 681 nascidos vivos no ano e imunizou 581 deles – ou seja, 94%.
— O mais importante é que temos certeza de que imunizamos. Essa é a tranquilidade que temos — observa o secretário municipal da Saúde, Emerson Magni.
Ao tentar explicar a discrepância, Magni cita uma sigla que muitas outras autoridades municipais na mesma situação estão trazendo à baila: Sipni, ou Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações. Trata-se do novo sistema adotado pelo ministério, no qual as prefeituras devem inserir seus dados. É a partir da implantação do Sipni, diz Magni, que os dados divulgados pelo governo federal deixam de bater com aqueles fornecidos pelo município.
— O problema não é de agora. O ministério lançou esse Sipni há uns dois ou três anos, e a partir daí estamos notando que as informações, não só de Osório, mas de outros municípios, não batem. E não só da pólio, mas de outras vacinas também.
Magni explica que a prefeitura tem um software próprio para os registros e que depois transfere os dados para a base local do Sipni. Nessa base local, diz ele, 94% das crianças constam como tendo sido vacinadas contra a pólio em 2017. Essa foi a informação exportada pelo sistema para Brasília. Mas, na sede do ministério, aparentemente, o dado que consta é completamente diferente.
O secretário informa que Osório e outros municípios gaúchos que perceberam as discrepâncias estão em contato há meses com a Secretaria Estadual da Saúde, para que o órgão faça a intermediação do problema com o nível federal. ZH contatou a pasta para saber quantos municípios reportaram o problema, qual a dimensão da distorção e que medidas foram tomadas, ao que o órgão do governo do Estado respondeu, por meio de nota: "Por enquanto, apenas três municípios entraram em contato com a secretaria se manifestando sobre problemas que ocorreram com o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações: Osório, Ubiretama e Tupanciretã. A pasta está reavaliando os dados junto ao Ministério da Saúde para definir se houve realmente problemas relacionados ao sistema de informações nesses casos".
A percepção de que as estatísticas federais são frágeis está disseminada. Mesmo profissionais convictos de que há queda nas taxas de imunização entendem que os dados são distorcidos. É o caso de Renato Kfouri (para quem a migração de um sistema manual para outro digital causou um subregistro das imunizações realizadas) e também de Luiz Augusto Facchini, que diz:
— O sistema de informação do programa nacional de imunizações tem problemas, não é plenamente informatizado, tem procedimentos que ainda são manuais e grosseiros. Há muita perda de informação. Às vezes há uma unidade básica de saúde que conta com um computador que não está ligado à internet, ou então que não está autorizado a alimentar dados. Outras vezes pessoas anotam os dados, mas esquecem de preenchê-los no sistema. Por isso, é preciso ser crítico em relação à estatística.
Questionado sobre os problemas, o Ministério da Saúde respondeu, por e-mail, que cabe aos Estados e municípios manter o Sipni atualizado: "Estados e municípios, que têm sistemas próprios de informação online, devem fazer a migração dos dados para o Sipni, de acordo com as orientações do Datasus. Caso haja divergência nos dados após a migração, cabe aos gestores locais informar ao Ministério da Saúde para a correção de possíveis erros".
O perigo de cada doença controlada pelas vacinas
POLIOMELITE
Doença contagiosa provocada por vírus, é caracterizada por paralisia súbita, geralmente nas pernas.
TÉTANO
Infecção causada por uma toxina que entra no organismo por meio de ferimentos ou lesões na pele.
COQUELUCHE
Doença infecciosa que compromete o aparelho respiratório e se caracteriza por ataques de tosse seca.
SARAMPO
Muito contagiosa, é causada por um vírus e transmitida por tosse, espirro ou fala. Há surtos em diferentes partes do país.
RUBÉOLA
Atinge sobretudo crianças e provoca febre e manchas vermelhas na pele. É transmitida pelo contato com pessoas contaminadas.
FEBRE AMARELA
Doença infecciosa, causada por um vírus que é transmitido por vários tipos de mosquito. Casos da doença foram registrados recentemente no país.
HEPATITE B
Doença causada por um vírus e que provoca mal-estar, febre baixa, dor de cabeça, fadiga, dor abdominal, náuseas, vômitos e aversão a alguns alimentos.
CAXUMBA
Doença viral transmitida pela tosse, espirro ou fala de pessoas infectadas.
DIFTERIA
É transmitida por meio de tosse ou espirro de uma pessoa contaminada para outra.
VARÍOLA (ERRADICADA)
O vírus da doença existe somente guardado em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia.