Erradicada no Brasil desde 1990, a poliomielite volta a preocupar as autoridades do país. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, 17 municípios gaúchos não alcançaram 50% da cobertura vacinal contra a paralisia infantil em 2017. No Brasil, o Ministério da Saúde trabalha com o número de 312 cidades com menos da metade das crianças de até um ano imunizada contra a doença no ano passado.
GaúchaZH contatou representantes de Herval, cidade com índice mais baixo entre as 17 – 7,04% de cobertura em bebês com até um ano de idade – e de quatro municípios de maior população entre os relacionados. Quatro das cinco fontes ouvidas contestaram os números do Ministério da Saúde, afirmando que não condizem com a realidade de vacinados.
O secretário de saúde de Herval, Dioner Azambuja, não acredita que o índice apontado reflita na quantidade de crianças vacinadas na cidade – mas não soube informar qual seria o número correto. Ele ressalta dois fatores que levariam à diminuição do indicador: a busca da imunização pela população no município de Pelotas, onde muitas famílias costumam realizar consultas, e problemas de desabastecimento das doses no ano passado.
Azambuja afirma que, neste ano, o município já dispõe das vacinas normalmente. Ele também diz que há um diálogo com agentes que lidam com a comunidade para rastrear crianças que não estejam vacinadas.
Em Venâncio Aires, onde o índice do ministério é de 41,91%, a equipe de imunizações do município ressalta que há uma discrepância de dados em razão de falha no sistema utilizado em 2017. O software próprio onde o município registrava os números de imunização começou a gerar inconsistências. Entre agosto e setembro, a equipe passou então a atualizar direto no site do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (Sipni) do Ministério da Saúde, e os dados voltaram a ser fidedignos.
Nas contas do setor de imunização da Secretaria Municipal de Saúde de Bento Gonçalves, 92% foram imunizadas ano passado (em vez de 33,52%). Alega-se que o município atinge a meta estabelecida pelo ministério todos os anos e que não há preocupação sobre baixa vacinação. O setor também acredita que a inconsistência resulta de algum erro no novo sistema, uma vez que o município migrou para o Sipni recentemente – todas as unidades utilizam o software desde março de 2017.
De acordo com o secretário de Saúde de Taquara, Vanderlei Vili Petry, o número informado pelo Ministério da Saúde está incompleto. Ele garante que a meta estipulada foi atingida mas também indica um problema na alimentação do sistema utilizado.
Já em Pelotas, a coordenadora das imunizações, Rita Carvalho, atesta que o município tem baixa cobertura da vacina contra a pólio:
— A gente vem reforçando isso com a capacitação das equipes para fazer a busca de crianças que não comparecem. O profissional da equipe de enfermagem ou agente comunitário de saúde vai até a casa para confirmar isso.
Ela acredita que o motivo é o fato de as novas gerações de pais não terem a lembrança das doenças, nem noção da gravidade e das sequelas que elas podem trazer.
O Ministério da Saúde esclarece que ainda há municípios que têm sistemas próprios de informação online, e estes devem fazer a migração dos dados para o Sipni. Caso haja divergência nos dados após a migração, cabe aos gestores locais informar à pasta para a correção de possíveis erros. “É importante ressaltar que cabe aos municípios e aos Estados avisar ao Ministério da Saúde, caso ocorra algum problema de compatibilidade dos sistemas do município com o Ministério da Saúde”, grafa por nota.
O ministério informa ainda que as vacinas que protegem contra a poliomielite não estão em falta e têm sido distribuídas mensalmente – o governo envia vacinas somente para os Estados e cabe a esses fazer a distribuição aos respectivos municípios.
Vacinação é única forma efetiva de prevenção
Uma possível baixa procura pela imunização contra a pólio preocupa autoridades e especialistas. De acordo com Juarez Cunha, pediatra do Comitê de Infectologia da Sociedade de Pediatria do RS, a única forma efetiva de prevenção à paralisia infantil é por meio da vacina:
— A pólio é uma doença extremamente grave. Por não ter novos casos há muitos anos, cria-se uma falsa segurança de que não precisa mais da vacina — destaca, ao frisar que países da Ásia e da África ainda têm circulação da doença. — O mundo globalizado, com a facilidade de interação e viagens, gera o risco de se introduzir novamente a doença no Brasil.
A meta do Ministério da Saúde é de que todos os Estados brasileiros atinjam 90% de imunização contra a poliomielite em crianças de até um ano. O Rio Grande do Sul, porém, chegou a 81,46% em 2017.
Conforme a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Tani Ranieri, a baixa cobertura vacinal se deve a múltiplos fatores. Entre eles o movimento antivacina, que vem crescendo nos últimos anos.
— Também existe um desinteresse da população, e até mesmo dos próprios profissionais de saúde, por ser uma doença erradicada no Brasil. Não há aquele sentimento de ameaça — observa.
Mesmo assim, Tani salienta a importância da vacinação e de se manter altos níveis de imunização.
— Quando a doença encontra um ambiente imunizado, não se alastra. Mas quando depara com pessoas não vacinadas, ela começa a se disseminar e pode se tornar um surto. A vacina não é só uma preocupação pessoal, mas coletiva — destaca.
Campanha será realizada em agosto
De 6 a 31 de agosto, o governo federal irá promover uma Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite com o objetivo de sensibilizar a população sobre a necessidade da vacina.
A mudança no sistema de cadastro das vacinas e a base populacional utilizada são alguns dos fatores apontados para os baixos números no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do RS considera verdadeiro o alerta do Ministério da Saúde sobre a queda na procura pela imunização.
— A complexidade do sistema pode gerar algum tipo de erro, não só na hora de digitação, mas também na transferência desse arquivo para o Ministério da Saúde. Quando ocorrer algo assim, as secretarias municipais precisam procurar esferas superiores como coordenadorias regionais e secretaria estadual — orienta Tani.
Outro item que reflete a diminuição de vacinados é a proliferação de fake news. Para Cunha, , a grande maioria da população ainda busca os postos de vacina:
— O que vem atrapalhando são as mídias sociais com as notícias que assustam as pessoas.
A doença
A poliomielite é uma doença infectocontagiosa causada pelo poliovírus do sorotipo 1, 2 ou 3. A principal forma de transmissão é fecal-oral, por meio de alimentos, água ou objetos contaminados por fezes. E, mais raramente, por via respiratória. A forma paralítica manifesta-se em 1,6% dos casos, sendo caracterizada por um quadro de paralisia flácida aguda. Não há tratamento específico, apenas de suporte.
AS CIDADES GAÚCHAS DA LISTA
As 17 cidades gaúchas que não alcançaram 50% na cobertura vacinal, em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde:
- Vista Gaúcha
- Taquara
- Ibiretama
- Chuí
- Venâncio Aires
- Chuvisca
- Santo Expedito do Sul
- Tupanci do Sul
- Santana do Boa Vista
- Osório
- Pontão
- Pelotas
- Monte Belo do Sul
- Inhacorã
- Bento Gonçalves
- Tupanciretã
- Herval