Trump se encontrou com Bill Gates. Não é o início de uma piada; aconteceu nos últimos dias. O que parece piada é o teor da conversa. Gates saiu abalado do encontro: Trump perguntou se HIV e HPV eram a mesma coisa. Não satisfeito com a resposta de Gates de que eram vírus diferentes, insistiu – mais de uma vez – na pergunta. Gates, cheio de vergonha (alheia), explicou que HIV é o vírus da imunodeficiência humana – causa imunossupressão e suscetibilidade a doenças, é tratado com antirretrovirais e não tem vacina. Já o HPV é o vírus do papiloma humano, está associado ao câncer e, para ele, há vacinas. Trump perguntou se Gates acha mesmo que vacinas funcionam, pois “ouvira falar” que vacinas davam autismo. Quer criar uma comissão para investigar o real valor da vacinação. Gates, alarmado, frisou que todos os estudos sobre o assunto mostram que vacinas não causam autismo; ao contrário, são a única forma de erradicar doenças. Investigar isso não tem sentido. Explicou com palavras que Trump compreendesse: “Não faça isso – seria uma coisa muito, muito ruim”.
Tudo isso é tão errado, em tantos níveis, que vale examinar mais calmamente. Como quando se analisa uma pintura e, quanto mais se olha, mais surgem detalhes que nos provocam. Tipo a Mona Lisa: à primeira vista, é só o retrato de uma mulher, mas, a cada olhada, descobrimos intenções que se desvelam aos poucos. O presidente dos EUA está conversando com um potencial conselheiro, que colocou seu nome na história. Tudo certo? Só que não. Ele está perguntando para um especialista em informática e negócios sobre vírus – de pessoas, não de computadores. A seguir, nota-se que Trump não sabe a diferença entre dois dos principais problemas mundiais de saúde – para os quais diferentes políticas públicas são relevantes.
Ele pergunta a mesma coisa múltiplas vezes. Sinal de senilidade? Ou de que anda preocupado com o assunto – algo possível, em se tratando de um homem famoso por seus intercursos com trabalhadoras sexuais, afinal, ambos os vírus são sexualmente transmissíveis. Para piorar, Trump confia em rumores e desconhece fatos. Perigo, Will Robinson! Mais ainda: ignora um dos principais trabalhos da Fundação Gates – desenvolvimento de vacinas para doenças negligenciadas, comuns em países pobres. Por fim, o risco de que as respostas de Gates tenham entrado numa orelha e saído na outra – pois entre as duas não existe muita resistência – é grande.
Realmente, esse papo de que bons conselheiros suprem as deficiências dos candidatos é balela. Eleger alguém apenas pelo jeitão, a profissão, ou a rapidez com que responde uma critica é uma furada. Você está preparado para apostar seu futuro, o dos seus filhos e netos, em alguém que você nem sabe se entende de saúde pública, ou energia, ou clima? Pergunte. Porque o nível do seu candidato vai ser diretamente proporcional ao nível ao qual você vai elevar – ou reduzir – sua qualidade de vida.