No Mercado Público, sentados naquela famosa banca do sorvete, eu conversava com minha filha adolescente sobre a rica salada de frutas que estava diante de nós. Na verdade, quem falava era eu, ela apenas ouvia. "Banana, laranja, manga, morango, melão, uva, abacaxi e mamão! Que maravilha! Só mesmo no Brasil!", comentei, caprichando no tom entusiasmado para ver se a animava um pouco. Ela enrubesceu, passou uma vista de olhos pelos mesas vizinhas e murmurou, quase entre os dentes: "Para com isso, pai, que todo mundo está ouvindo! Além disso, só uma dessas frutas é nativa; todas as outras são exóticas". O vocabulário eu não estranhei, porque há dois anos ela faz parte de um grupo que estuda a flora brasileira; estranhei foi o escore: havia oito variedades naquela salada, e uma só era nativa! Sete a um – vareio igual ao que nos infligiu a Alemanha! (vareio, como sabe o caro leitor, vem de vara, ou seja, é uma sova, uma surra...). Nem precisei perguntar, pois ela fez questão de dizer, taxativa: "É o abacaxi. O resto vem de fora".
Bem, uva e morango são estrangeiros, sem dúvida, mas e a manga? E a banana, item indispensável no toucado da Carmen Miranda? Adiei o assunto, e assim que pude fui correndo ao Google: nossas, mesmo, só o dito abacaxi, o caju, a goiaba e o maracujá! Aí, confesso, me caíram os butiás do bolso (esses, sim, são daqui): A banana e a manga vêm da Ásia, trazidas pelo portugueses!
Minha pesquisa me levou a um livro pouco conhecido, Breviário da Bahia, escrito por Afrânio Peixoto, um autor que chegou a ser célebre um dia. Para ele, os portugueses foram "os jardineiros do mundo", tamanho foi o seu empenho em transplantar espécies asiáticas e africanas para cá, bem como espécies nossas para lá. Além da banana, da manga e da jaca, muitas outras entraram aqui por sua mão: "a fruta-pão é da Oceania; a lichia é da China; o caqui é do Japão; o café é da Etiópia; a cana-de-açúcar peregrinou da Índia ao Egito, à Sicília, ao Algarve, à Madeira, ao Brasil; o cacau trouxeram-no do México". Em contrapartida, levaram do Brasil o mamão, a mandioca, a pitanga e o caju, entre outros. Só muito mais tarde, já no século 19, os imigrantes europeus completaram nosso cardápio de frutas de mesa com a maçã, a pera, o pêssego, a uva e o morango.
Minha surpresa final, porém, veio com o coco – aquele mesmo que o Ary Barroso, na sua gongórica Aquarela do Brasil, imortalizou com um verso de fazer bacalhau chorar em porta de venda: "Ô! Esse coqueiro que dá coco!"... Pois o coco não é nosso! Éramos a Pindorama — a terra das palmeiras; os portugueses vieram, olharam, matutaram e tiveram a ideia de trazer para cá os coqueiros das ilhas do Cabo Verde. E o mais importante, para uma coluna que se intitula O Prazer das Palavras: foram eles, nossos antepassados lusitanos, que contribuíram com o nome do fruto do coqueiro, fazendo um batismo por semelhança, como ocorreu com o mamão, que ganhou esse nome pela forma de mama que tem a fruta.
Os navegantes que contornaram a África em 1497, sob o comando de Vasco da Gama, ao verem que o coco tinha três orifícios na casca, associaram sua forma à de uma cabeça humana de assombração, uma caveira como a que se usava em Portugal para assustar as crianças, semelhante ao bicho papão aqui da terra ou àquelas abóboras com caretas do Halloween — e que lá era chamada de coca (com O fechado) ou coco (no masculino). Essa coca foi alterada no Brasil para cuca, que não tem nada a ver com aquela espécie de bolo alemão tão apreciado em nosso estado (este vem do Al. kuche; em outras partes do Brasil aparece como cuque). A cuca de que falo, irmã do coco, designa tanto a personagem tão bem explorada por Monteiro Lobato quanto a própria cabeça, como vemos na expressão lelé da cuca ou no verbo encucar. O termo português foi consagrado por muitos outros idiomas: Kokosnuss (Al.), coconut (Ing.), noce de cocco (It.) e noix de coco (Fr.), todos eles traduzíveis como noz de coco.
Recomendação — Mantendo aqui a tradição de só indicar coisa boa, aviso aos amigos leitores que o grande Pedro Gonzaga, ora em Buenos Aires, vai oferecer duas brevíssimas oficinas para aqueles que gostam de escrever: Os 10 Mandamentos da Poesia e Os 10 Mandamentos da Crônica, via Zoom, iniciando respectivamente em 12 e 13 deste mês de julho. Mais informações em pg.escreva@gmail.com