Muita gente pensa que uma palavra só transmite aquilo que sobre ela está registrado no dicionário. Ledo engano. Os semanticistas modernos ensinam que aquilo que chamamos de significado de um vocábulo é divisível em duas parcelas: a primeira, mais óbvia, é a sua denotação, exatamente a parte de seu significado que se refere ao nosso mundo (concreto ou imaginário). No fundo, quando procuramos uma palavra no dicionário, a informação que vamos encontrar é basicamente o seu valor denotativo.
Em alguns vocábulos, no entanto, o significado não se resume a esse valor denotativo; a ele pode agregar-se a conotação, que é um valor adicional, uma sutileza semântica que a palavra carrega consigo. Esta segunda parcela, não tão óbvia (muitas vezes confundida com sentido figurado), engloba todas as outras informações que a palavra pode transmitir, o que inclui as avaliações subjetivas, as intenções depreciativas, as diferenças regionais, de faixa etária, de classe social e muitas mais. Quem escreve guampa em vez de chifre está se referindo denotativamente ao mesmo objeto, mas está ao mesmo tempo informando que pertence a uma determina região do Brasil. É isso que explica, também, por que alguém resolve escrever na vitrine de sua loja a palavra sale em vez de liquidação, ou mesmo o brasileiríssimo torra-torra. Ao escolher sale, ele está dizendo algo além do sentido costumeiro de liquidação: primeiro, que é uma oferta para gente fina (ou que pensa que é), aquele grupo para o qual o uso desse vocábulo estrangeiro diminui a humilhação de se sentir atraído por uma rebaixa dos preços, como qualquer plebeu. Se escolher torra-torra, ao contrário, estará passando implicitamente a mensagem de que o consumidor mais modesto pode entrar na loja sem medo, pois vai encontrar preços à altura de seu bolso.
É por isso que dizemos que só existem sinônimos parciais. Não posso trocar livremente uns pelos outros sem que haja, como consequência, a perda ou o acréscimo de uma nuança de sentido. Cada sinônimo carrega consigo outros conteúdos que vão ser captados pelo destinatário — e a este contrabando chamamos de conotação. Entre dois sinônimos, um pode ser de uso mais geral do que o outro (velho x idoso); pode implicar aprovação ou censura moral, enquanto o outro é neutro (frugal x econômico); pode ser mais profissional do que o outro (óbito x morte); pode ser mais literário do que o outro (assaz x bastante); mais coloquial do que o outro (careca x calvo); pode marcar gerações diferentes (minha avó chamava o comercial de TV de reclame) — e assim por diante.
É claro que essas pequenas (mas importantes) diferenças não estão nos dicionários. Como conchinhas do mar, elas não vêm em pacotes de ocasião ou conjuntos pré-frabricados: se mantivermos sempre acesa a nossa atenção, vamos encontrá-las aqui e ali nas praias de nossas leituras, formando uma coleção valiosíssima que nos permitirá reconhecê-las quando as reencontrarmos na pena de algum autor. Machado, por exemplo, era mestre na escolha do vocábulo certo. No seu conto Uns Braços, por exemplo, para caracterizar a boçalidade do solicitador Borges, descreve-o à mesa, na hora do almoço: "Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de alface e vaca"... E precisa mais do que isso?
Recomendo — Já que estamos falando nessas sutilezas das palavras, nesses conteúdos não literais que o texto passa para o leitor, quero aproveitar para fazer propaganda de produto bom: a já tradicional Oficina do Subtexto, da premiada autora Cíntia Moskovich, terá nova edição com início em 27 de setembro. Os 12 encontros serão remotos, via Zoom, das 18:30 às 20:30, compreendendo fundamentalmente exercícios práticos "para desenvolver a criatividade, com ênfase na criação de textos ficcionais" e culminando na publicação de um livro com a antologia dos melhores trabalhos. Inscrições e mais informações no e-mail oficinasubtexto@gmail.com.