As redes sociais, ao alcance de um simples celular, deram a todos a possibilidade de participar de infinitos fóruns onde se discutem todos os temas polêmicos do mundo. Essa facilidade, contudo, traz consigo uma novidade: um artigo polêmico que eu publique num blogue pode receber centenas de comentários, uns sobre o que escrevi, outros em resposta a comentários de outros participantes. Cria-se assim grande texto fragmentado, dentro do qual travam-se pequenas disputas de opinião que muitas vezes nada têm a ver com o texto publicado (sem contar aquelas manifestações burras e inoportunas de preferência partidária...). Trazendo isso para o mundo concreto, cria-se aquela situação que, se não me engano, o mundo jurídico denomina de rixa, aquela pancadaria generalizada em que todo mundo bate e apanha ao mesmo tempo, numa disputa em que não há vencedores ou perdedores.
Por causa disso, de mansinho, foram morrendo nos bastidores as tradicionais polêmicas da imprensa escrita, um confronto mano a mano, olho no olho, entre dois contendores que corriam corajosamente o risco de sofrer uma derrota humilhante na frente de todo o mundo e que, por isso mesmo, lutavam pela vida como Heitor diante de Troia. Geralmente a polêmica começava em tom elegante para logo transformar-se numa verdadeira rinha de galos, abolida a dignidade, o decoro e a própria educação. Júlio Ribeiro, gramático das antigas e autor do já esquecido A Carne, ao sentir-se ofendido pelas críticas do padre Sena Freitas, assume um tom de espadachim de opereta: "Se eu tivesse sabido dos artigos antes que eles tivessem aparecido, eu teria feito de tudo para que não aparecessem... Eu teria ido pedir ao padre Sena Feitas que não os publicasse. Apareceram... Agora não há o que me detenha: eu hei de vingar-me". E, não menos teatral, ameaça, logo adiante: "Eu hei de ser quem diga a última palavra, eu hei de ser quem vibre o último golpe"...
Onde Júlio Ribeiro era truculento, Camilo Castelo Branco, que se envolveu em várias polêmicas famosas, era sarcástico. Debatendo com ele, um tal de Mariano Pina cai na asneira de escrever "É por tudo isto que eu tenho muito dó de si" (note-se que, na época, os pronomes si e consigo ainda eram exclusivamente reflexivos, como hoje no Brasil). Pronto! Aproveitando a deixa, Camilo o chama de ignorante; Pina, porém não se dá por vencido e pede provas de que errou. Camilo responde com um direto no queixo: "Insiste pela prova do erro do pronome si? Que vá à escola do vizinho mestre de instrução primária e pergunte-lhe se um pronome pessoal da terceira pessoa pode empregar-se como pronome pessoal da segunda. O mestre, naturalmente, responde-lhe cavalgando-o". Não satisfeito, Camilo ainda sugere a Pina um mordaz epitáfio: "Ele não sabia os pronomes. A terra lhe seja leve como os miolos".
Esses confrontos, para nós, parecem tão antiquados quanto os duelos de honra − mas, por usarem a palavra em vez da espada ou da pistola, são fascinantes e divertidos. Quem quiser 750 páginas de pura pancadaria verbal, recomendo o livro Duelos no serpentário: uma antologia da polêmica intelectual no Brasil - 1850-1950, publicado pela pela editora G.Ermakof em 2005.