Vários leitores escreveram para saber o que penso da polêmica causada pelo Liceu Franco-Brasileiro, tradicional colégio particular do Rio de Janeiro, quando comunicou aos pais dos alunos a decisão de incentivar o que chamam de "linguagem inclusiva", adotando para isso “estratégias gramaticais de neutralização de gênero" [sic]. A intenção, segundo o comunicado, seria combater o machismo e o sexismo representado, por exemplo, pela regra que impõe o uso do masculino plural para designar grupos mistos de homens e mulheres, substituindo a desinência O ou A por um E neutro — daí a curiosa expressão do título.
Este é um tema que já apareceu várias vezes durante os vinte anos em que escrevo esta coluna. Sei que piso em gelo fino, mas sou obrigado, como das outras vezes, a demonstrar a falha cabal desta iniciativa, por mais bem intencionada que ela possa parecer.
Em primeiro lugar, a teoria em que essa proposta se baseia não se sustenta em pé. É a famosa hipótese de Sapir-Whorf, dois linguistas da metade do século 20, segundo a qual a linguagem determina o pensamento dos seus falantes — o que, por exemplo, explicaria por que vários povos têm uma percepção da escala de cores diferente da nossa. Quem segue este princípio ao pé da letra, portanto, conclui que uma linguagem sexista reforça o comportamento sexista — e que a adoção de uma linguagem "neutra" promoverá uma aceitação democrática de todas as diferenças.
É, sem dúvida, uma hipótese fascinante — mas cândida e infantil, pois tomar a consequência pela causa contraria o bê-á-bá da lógica. Quer dizer que basta mudar a linguagem para que a realidade se altere? Infelizmente não é assim, mas bem ao contrário: mude-se a realidade, e a linguagem refletirá esta alteração. Aproveito o exemplo de Lévi-Strauss: uma aldeia indígena que não usa o fogo para cozinhar a comida naturalmente não terá a palavra cozido — como também não poderá ter a palavra cru. Mudem-se os hábitos, aprendam a usar o fogo, e as duas palavras passarão a ser indispensáveis.
O machismo não será confrontado com mudanças na linguagem; ao contrário, a linguagem mudará à medida que o machismo for encolhendo no seio da sociedade. Quando as mulheres finalmente começaram a conquistar representatividade política, palavras que morfologicamente têm dois gêneros mas que nunca dantes haviam sido flexionadas passaram a ser usadas também na forma feminina.
Lembro do embaraço de nossa imprensa quando surgiu Indira Ghandi no cenário mundial; no começo, muitos se referiam a ela usando o título masculino, concedendo-lhe, no máximo, o artigo feminino: "a Primeiro Ministro" — prática que hoje nos parece ridícula, neste mundo povoado de ministras, prefeitas, senadoras e tudo mais. Os militares, por sua vez, ainda não usam o feminino dos postos de sua carreira, mas há muito falamos de generalas, coronelas, capitãs, sargentas e soldadas do simpático Exército da Salvação, e acho que é uma questão de tempo para as Forças Armadas aderirem (flexionando, é claro, o que for morfologicamente flexionável — o que me parece difícil, por exemplo, com cabo, major ou almirante).
Portanto, é nas palavras e na carga semântica que elas carregam que vai transparecer o viés sexista, mas não na estrutura íntima do idioma. Não existe, como veremos na próxima coluna, o tal machismo gramatical. (continua)