A pergunta de hoje veio de Leonor W., de São Leopoldo: "Caríssimo professor Moreno, fui sua colega há muito tempo na antiga Aliança Francesa, na turma de Monsieur Verbist. Eu pretendia fazer Letras e ser professora, como o senhor, mas casei, passei trinta anos no exterior e agora me contento em passar exercícios de caligrafia e ler em voz alta para os netos. Por causa deles tive de me "alfabetizar" nessas redes sociais modernas e hoje já me movo nelas sem fazer fiasco. E é por isso que lhe escrevo: nunca vi tantas palavras mal escritas! Ninguém conjuga verbo direito, nem acentua corretamente! Ontem uma neta completou quinze anos e recebeu parabéns de mais de oitenta amigos pelo Facebook. Meu deus, nunca vi tanto erro junto. O que está acontecendo? Foi a internet?".
Sim, a internet é uma das grandes responsáveis por isso − mas não exatamente como você deve imaginar. O que está acontecendo, prezada leitora, é que nunca dantes, como agora, pudemos ler o que centenas de pessoas andam escrevendo − e das mais variadas faixas etárias e sociais. Há quarenta anos, o material escrito à nossa disposição era muito mais limitado: além dos livros, eu lia jornais, revistas e a eventual correspondência − mas não tinha a menor ideia de como escreviam os meus vizinhos de prédio, os membros do meu clube de bolão ou, como é seu caso, as amigas de minha filha de quinze anos.
Agora, no aniversário de sua neta, você só ficou assustada com o número de erros que encontrou porque, graças ao Facebook, você teve diante dos olhos, pela primeira vez, os comentários de oitenta e poucas pessoas diferentes. Oitenta amostras de escrita, e isso num post apenas! Há quarenta anos, ela teria recebido uma meia dúzia de telegramas, alguns cartõezinhos de floricultura e um grande número de telefonemas, mas hoje a comunicação pela internet nos força a escrever − e escrever, para o desespero de muitos, traz à tona os erros que escondíamos.
Exatamente por isso as redes têm um valor inestimável para o bom professor de Português. Ali, em poucas horas (e não é necessário uma grande pesquisa para isso), podemos detectar os erros mais frequentes de uma geração e fulminá-los com bons exemplos e claras explicações, fazendo-os secar como vampiros expostos à luz do Sol.
A maior parte desses erros nasce exatamente da passagem do sistema oral para o sistema escrito. Nas situações em que não pode contar apenas com a fala, o jovem de hoje tropeça quando precisa escrever (não preciso dizer que a falha é de um sistema de ensino que demagogicamente tenta desmerecer a norma escrita). Prisioneiros do ouvido, escrevem *toquinha quando queriam escrever touquinha (diminutivo de touca, que não é a toca), escrevem *loca quando deveriam escrever louca. Cegos para as formas definitivas de nossos sufixos, ignoram que não existe o sufixo -asso e escrevem *beijasso e *carteirasso quando queriam escrever beijaço e carteiraço.
Mais grave ainda − porque é sistêmico − eles deixam de escrever o R final dos infinitivos. A supressão desse fonema é normal quando falamos; cantar ou vender soa, geralmente, /cantá/ e /vendê/, e só na fala tensa (isto é, cuidada, consciente) fazemos soar aquele R. Na escrita, é óbvio que sua presença é obrigatória. O problema se manifesta principalmente nas locuções verbais com o verbo no infinitivo: por toda parte, nas redes, encontro eu vou *vende, eu quero *compra, você vai *usa (o asterisco indica erro). Nem ao menos põem um acento, como se fosse a tradicional transcrição do dialeto caipira ("Lá detrás daquele morro tem um pé de manacá/ Nós vamo casá e vamo pra lá").
Outra catástrofe é a frequente confusão entre a 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito (eles cantaram) e a do futuro (eles cantarão). Parece que não há nenhuma alma corajosa para explicar a seus alunos que a sílaba final só vai ser -RÃO se esta for a sílaba tônica (cantaRÃO, pediRÃO), mas obrigatoriamente -RAM se a tônica for outra (canTAram, peDIram). Detalhe supérfluo? Gramatiquice? Claro que não. Essas diferenças não surgiram por acaso no idioma; elas existem para eliminar erros de interpretação na comunicação entre todos os falantes. Para os que não frequentam as redes sociais, trago o famoso exemplo de um diálogo no WhatsApp entre namorados: Ela: "Meus pais sairão". Ele: "Que horas?". Ela: "Eles JÁ sairão, *orra! É só você vir". Ele: "Não estou entendendo, eles estão aí ou não?". Ela: "Deixa de bancar o idiota! Eles já forão!".