Mulheres brasileiras rejeitando de forma eloquente o governo misógino e reacionário de Jair Bolsonaro. Mulheres russas protestando contra a convocação de seus maridos e filhos para a guerra. Mulheres iranianas revoltando-se contra a polícia de costumes que causou a morte de uma jovem de 22 anos no mês passado. Uma palavra sintetiza o que três fenômenos tão diferentes têm em comum: resistência.
Escrevo sem saber o resultado do primeiro turno das eleições no Brasil, então peço licença para falar a respeito das lindas e corajosas iranianas que têm ido às ruas nas últimas semanas. Elas servem de inspiração para homens e mulheres de todas as partes do mundo.
Tudo começou no dia 16 de setembro, quando a curda Mahsa Amini, vinda de uma cidade do interior, passeava em Teerã. Mahsa estava saindo do metrô com o irmão quando foi abordada pela polícia que fiscaliza a forma como as mulheres se vestem. Pela lei, elas são obrigadas a cobrir os cabelos e a usar vestes largas para esconder suas formas.
Mahsa estava cobrindo os cabelos e as roupas, mas mesmo assim foi levada para um centro de “reeducação”. Muitas mulheres iranianas já passaram por esses centros pelo menos uma vez na vida. O que acontece lá é imprevisível. Com sorte, apenas uma advertência verbal ou uma multa, mas episódios de violência física não são raros. No caso de Mahsa Amini, testemunhas contam que viram quando ela foi espancada na van que a conduzia para o local de detenção. Mais tarde, a jovem passou mal e foi levada para um hospital, onde morreu dois dias depois – provavelmente das consequências de uma lesão na cabeça. A reação foi imediata. Protestos contra o governo eclodiram em várias partes do país, e mais de 70 pessoas foram mortas durante confrontos desde então.
Não é difícil imaginar o tanto de coragem necessário para enfrentar um regime que tem na opressão das mulheres um dos seus principais pilares de sustentação. Mesmo assim, elas continuam nas ruas – tirando os véus, cortando os cabelos, vestindo roupas mais justas, exigindo mudanças. Mulheres da minha idade, cansadas de pedirem licença para existir. Mulheres da idade da minha filha, jovens demais para terem desistido de acreditar no futuro.
Ninguém sabe até onde esse movimento pode chegar. Talvez a onda de indignação passe sem que nada mude imediatamente, mas as imagens de mulheres sem véu, e sem medo, cantando e dançando pela liberdade, vão continuar desafiando um governo que há muito já está morto por dentro. Como o nosso.