Um texto do escritor americano Jonathan Franzen (“What if we stop pretending?”), publicado pela revista New Yorker há alguns dias, jogou um fósforo aceso na palha seca das discussões sobre aquecimento global. Em resumo, o escritor afirma que já não há mais nada que possamos fazer para reverter o colapso climático do planeta. Em vez de continuarmos insistindo no que precisamos mudar para evitar o desastre, argumenta, o negócio é se preparar para enfrentar o pior da melhor forma possível. E salve-se quem puder quando as ondas baterem na sua praia.
Franzen não nega as mudanças climáticas, apenas duvida que a humanidade seja capaz de fazer algo a respeito
Ativistas e cientistas ficaram pistolas com o texto, como era de se esperar. Não apenas porque acreditam que o escritor entendeu tudo errado, do ponto de vista tanto científico quanto político da questão, mas por identificarem em sua abordagem uma nova espécie de negacionismo. Não o tipo vulgar e desinformado exibido, por exemplo, pelo chanceler Ernesto Araújo – que na semana passada, em pronunciamento no think tank conservador Heritage Foundation, em Washington, associou a opinião de 99% dos cientistas sobre aquecimento global a uma alucinada conspiração da esquerda para dominar o mundo –, mas ainda assim perigoso. Franzen não nega o papel do homem nas mudanças climáticas nem seus efeitos a médio e longo prazos (ao contrário de alguns abilolados...), apenas duvida que a humanidade seja capaz de fazer algo a respeito a tempo de interromper a catástrofe iminente.
Ao ler o ensaio de Franzen, lembrei de um dos trechos mais conhecidos da literatura mundial: “Ser ou não ser: eis a questão. Saber se é mais nobre na mente suportar as pedradas e flechadas da fortuna ou tomar armas contra as vagas de aflições e, ao afrontar-lhes, dar-lhes fim”. Estamos, como Hamlet a certa altura da peça de Shakespeare, paralisados diante do destino. Agir ou não agir? Enquanto cientistas alertam que não podemos mais perder tempo, Franzen abandonou qualquer esperança de que uma reação consistente venha a acontecer: “Entre uma abstração alarmante (morte) e a evidência tranquilizadora dos meus sentidos (café da manhã!), minha mente sempre vai se concentrar na última”.
Manter ou não a esperança na capacidade de reação da espécie humana: eis a questão.