A inclusão de Hamlet entre as leituras obrigatórias da UFRGS é uma ótima notícia para este meridional reino pampiano. A lista proposta pela UFRGS todos os anos tem um enorme caráter civilizatório: escolas incluem novidades no currículo, pais distraídos descobrem que a literatura não parou (nem começou) em José de Alencar, bibliotecas recebem mais visitantes, editoras vendem mais.
Para um tipo muito específico de estudantes, aqueles que não gostam de ler ou ainda não tiveram a oportunidade de aprender a gostar, as leituras de escola são a última chance, antes da vida adulta, de iniciar um percurso literário não focado em uma área específica de conhecimento, mas na formação da sensibilidade e na ampliação do repertório. É impossível adivinhar que gênero ou autor pode ser capaz de transformar um leitor contrariado em um bibliófilo. O que se sabe é que, quanto mais variado o cardápio oferecido a leitores em formação, maiores são as chances de fisgar a atenção silenciosa de quem já nasceu cercado por estímulos estridentes muito mais persuasivos.
Como símbolo da potência da literatura para driblar obstáculos de compreensão e atravessar séculos e oceanos, poucos autores são mais eloquentes do que Shakespeare. Nos últimos 400 anos, cada época tratou de descobrir em suas peças não apenas aquilo que ainda fazia sentido, mas novos significados. E esse trabalho de recriação depende muito do talento, e da sensibilidade, dos tradutores. Por aqui, estamos fazendo a nossa parte. Por algum motivo que não está bem claro para mim – a friaca, o chimarrão, o litoral inóspito... –, o Rio Grande do Sul tornou-se, nos últimos anos, um polo exportador de grandes traduções de Shakespeare. Professor de literatura na Federal de Santa Maria, Lawrence Flores Pereira traduziu Hamlet e Othelo. Escritor e jornalista, o bajeense José Francisco Botelho traduziu Romeu e Julieta e agora Júlio César – este lançado na semana passada. Na lista das próximas traduções da dupla estão Rei Lear, Macbeth, Ricardo II, Ricardo III e Sonho de uma Noite de Verão (Lawrence) e mais Antônio e Cleópatra, Coriolano, Tito Andrônico, A Tempestade, Henrique IV e Henrique V (Botelho).
Os dois unem-se ao professor aposentado Elvio Funck, que em vez de jogar damas traduz Shakespeare, e à professora Beatriz Viégas-Faria, que já traduziu mais de 20 peças do bardo – ambos também gaúchos. Ou seja: leia Shakespeare, nem que seja por bairrismo.