Ashley Flores tem 13 anos e está desaparecida há duas semanas. Ela foi deixada na porta de casa pelos pais de uma amiga, mas eles foram embora antes de ver se a menina tinha realmente entrado em casa. Desde então, ela nunca mais foi vista. Os amigos e a família estão mobilizados. O pai é um engenheiro conhecido na cidade. Quanto mais gente souber do caso, mais chances Ashley tem de ser encontrada.
Tomei conhecimento do drama de Ashley e de sua família através de um grupo de amigos em uma rede de troca de mensagens. Com uma rápida pesquisa no Google, o caso foi solucionado. Ashley não estava desaparecida, e talvez nem mesmo tenha existido de verdade. Essa é mais uma daquelas histórias que rolam na internet já há alguns anos e de tempos em tempos reaparecem nas redes sociais.
Mais rápida do que a pesquisa no Google que resolve o problema é a descarga emocional que uma notícia desse tipo provoca no coração de pais, mães, tios, avós. A notícia falsa vem acompanhada da foto de uma menina que podia ser nossa filha, sobrinha, vizinha. Os sentimentos de aflição e empatia são imediatos. E quanto mais intenso for o sentimento mobilizado por uma história ou uma notícia – raiva, nojo, compaixão... –, maiores a chances não apenas de acreditarmos no que está sendo contado, mas de passarmos a mensagem adiante. É por isso que Ashley está condenada a vagar pela internet até o fim dos seus dias, e dos nossos, como um zumbi adolescente que apavora e comove ao mesmo tempo.
A revista científica Science publicou há alguns dias um dos mais completos estudos sobre o poder de sedução das notícias falsas nas redes sociais. Depois de analisar exaustivamente todo o conteúdo publicado no Twitter entre 2006 e 2017, os pesquisadores do MIT chegaram a algumas conclusões interessantes. A primeira delas é que as pessoas parecem gostar mais de compartilhar as notícias falsas do que as verdadeiras. Histórias como a da pobre menina Ashley tendem a se espalhar com muito mais velocidade do que as notícias de verdade. Isso vale para tudo, da política à tecnologia, dos negócios às lendas urbanas. Os robôs até ajudam a ampliar um boato – como aconteceu por aqui, com a criminosa campanha contra a exposição Queermuseu –, mas a adesão real é decisiva para que uma história falsa se espalhe.
Viver em rede exige um novo tipo de alfabetização para a informação. E nessa matéria estamos todos levando bomba
Diante desses dados, o MIT tentou investigar que traço da natureza humana torna as pessoas tão suscetíveis às fake news, e a conclusão é de que temos um fraco por tudo que é novo, surpreendente e terrível – como uma menina sequestrada na porta de casa. A boa notícia, em ano de eleição, é que a pesquisa do MIT coloca em xeque a ideia de que uma porção de notícias inventadas pode virar o jogo contra ou a favor de um candidato. As mentiras são apenas uma parte de tudo que consumimos na internet, e não necessariamente a maior parte.
Ninguém gosta de viver cercado de mentiras por todos os lados. Desenvolver uma visão crítica com relação ao que se lê e ao que se compartilha nas redes – e em casa, nas escolas e nos grupos de mensagens – é tão urgente quanto foi, em determinada época, eliminar o analfabetismo. Viver em rede exige um novo tipo de alfabetização para a informação. E nessa matéria estamos todos levando bomba.