Além de celebridade do mundo intelectual (abriu o Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, em 2009), o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker vem se tornando uma espécie de Cassandra ao contrário. Cassandra, vocês lembram, era aquela personagem da mitologia grega que todos odiavam porque, além de prever o futuro, tinha o péssimo hábito de só anunciar coisas ruins.
Diferentemente de Cassandra, Pinker não trabalha no ramo de profecias. Não aposta que o futuro será o jardim das delícias para quem tiver a sorte de chegar lá, mas tem se esforçado para dar uma esfriada na vibe catastrófica que parece ter tomado conta do debate público nos últimos tempos – não sem motivo, vamos combinar.
Em 2011, o escritor publicou Os Anjos Bons da Nossa Natureza, livro que defendia a tese de que o mundo vem se tornando menos violento ao longo dos séculos, por mais contraintuitivo que isso possa parecer para quem mora no Brasil em 2018. Para Pinker, a história da humanidade tem sido um constante embate entre os "anjos bons" (empatia, autocontrole, senso moral, razão) e os "demônios" da natureza humana (egoísmo, desprezo pelo sofrimento alheio, vingança, sadismo), com notável predomínio dos bons sentimentos sobre os maus até agora.
Em seu último livro, que acaba de ser lançado nos Estados Unidos, o autor volta a desafiar o pensamento apocalítico dominante. Enlightment Now ("iluminismo agora", em tradução literal) é uma espécie de desagravo à razão e a ciência, em uma época em que esquerda e direita, por diferentes motivos e de diferentes formas, têm se unido no esforço de desacreditar alguns dos valores iluministas que nos trouxeram até aqui. (Um mundo imperfeito e injusto, não há dúvida, mas com menos violência, menos guerras, menos doenças e mais conhecimento sobre nós mesmos e a natureza do que jamais tivemos antes.)
Como Belchior, Pinker reconhece que há perigos na esquina. O aquecimento global e a perspectiva de um conflito nuclear devastador não são riscos desprezíveis, e trabalhar em conjunto para evitar tanto um quanto outro é a atitude mais sensata no momento. Isso não implica, argumenta Pinker, que se deva assumir uma perspectiva fatalista em relação ao futuro. Quem se convence de que tudo está perdido e o apocalipse nos aguarda ali na esquina não apenas abre mão de encarar os problemas de frente como pode vir a usar o medo de desgraças iminentes, reais ou imaginárias, como justificativa para inventar e seguir suas próprias regras.
No plano miudinho da vida cotidiana, ali onde ninguém parece muito ocupado com o destino da humanidade e a última trombeta do apocalipse, todo mundo conhece uma Cassandra. Aquele tipo de pessoa que parece se sentir mais inteligente, mais forte e mais protegida dos imprevistos prevendo e esperando o pior das pessoas e do destino – azedando a vida de todos a sua volta no percurso.
É verdade que tudo tende ao caos quando não fazemos nada para evitá-lo, mas pessimismo e cinismo não produzem nada além de mais pessimismo. O primeiro passo para construir um futuro mais admirável e menos apocalíptico é se permitir imaginar que ele é possível.