A palavra não era apenas dura e feia, como um caixão, mas secreta. Nunca deveria ser pronunciada na frente de qualquer representante do sexo masculino, fossem eles nossos pais, irmãos ou — o horror, o horror — colegas de escola. Sabíamos o que era “menarca” antes mesmo de descobrir que havia palavras específicas para designar a primeira e a última menstruação (que nos parecia remota e portanto desinteressante), mas não o suficiente para satisfazer o fluxo da nossa curiosidade.
Quatro décadas mais tarde, na outra ponta do ciclo, descobriríamos que “menopausa” era uma palavra ainda mais feia e secreta. Mulheres da mesma família não intercambiavam experiências, médicos não esgotavam o assunto nas consultas — e homens, em geral, poderiam viver até os 90 anos sem nunca terem precisado pronunciar a palavra maldita. Às vezes, nem mesmo amigas íntimas trocavam figurinhas. Não era um caixão, era um sarcófago de vergonha escondido no armário de metade da população mundial.
Trazida à superfície das conversas do dia a dia com o atraso de alguns milênios, a menopausa tornou-se a pauta pop da temporada. Nunca se falou tanto sobre o bem-estar das mulheres antes, durante e depois do último ciclo menstrual. Como qualquer grande virada cultural, os reflexos dessa mudança de atitude podem ser percebidos tanto no mercado quanto na arte. Multiplicam-se os produtos milagrosos, os livros de autoajuda, os influencers, as dicas furadas, mas também os filmes, livros e peças que abordam o assunto em primeiro ou segundo plano.
Lançado em novembro no Brasil, o livro De Quatro, da escritora americana Miranda July, rapidamente ganhou o epíteto de “romance da perimenopausa”. É e não é. Dúvidas relacionadas à aproximação da menopausa são mesmo discutidas com franqueza e bom humor pela narradora, uma mulher de 45 anos, mas isso talvez não chamasse tanta atenção se o assunto não tivesse sido enterrado no porão das preocupações de segunda categoria. Uma das maiores vantagens de ter mais mulheres escrevendo é justamente a possibilidade de incorporar questões ignoradas até aqui por uma certa “literatura masculina” incapaz de retratar a subjetividade feminina ou o corpo que a acompanha.
Incluído na lista de melhores livros do ano pelo New York Times, De Quatro é, em essência, uma versão divertida, contemporânea e, sim, muito feminina de um tema clássico e universal: o eterno e insolúvel conflito entre o desejo íntimo de mudar e a sedutora opção de deixar tudo como está para ver como é que fica.