No início de Lady Bird, um dos filmes que disputam o Oscar no próximo final de semana, uma adolescente se atira de um carro em movimento para se livrar da voz (e da presença) da mãe, que está ao volante. Pode parecer exagerado, e é, mas não há filha ou mãe que não tenha sentido vontade, em algum momento, de encenar um gesto grandiloquente como esse – principalmente tendo a garantia de que ninguém, a não ser o bom senso, sairia ferido.
Exagerada tanto em amor quanto em cobranças e expectativas mútuas, a relação entre mães e filhas pode ser sublime e exasperante em igual medida. Duas mulheres espelhadas e diferentes, íntimas mas não necessariamente próximas. Duas pessoas que podem se amar incondicionalmente e ainda assim não se gostar muito – como sugere, aliás, um dos melhores diálogos do filme.
Em Três Anúncios para um Crime, outro concorrente ao Oscar deste ano, acompanhamos a jornada uma mãe em busca de uma solução para o assassinato da filha. À sua maneira, a personagem vivida por Frances McDormand age como as mães e avós da Praça de Maio e tantas outras mulheres da vida real que não se conformaram com a morte ou o desaparecimento dos filhos, lutando por justiça mesmo quando a própria vida estava em risco. A certa altura da história, ficamos sabendo que a relação desta mãe incansável com a filha nem sempre foi fácil – o que não chega a ser surpreendente, dado o temperamento da personagem. Amor materno às vezes é briguento, cricri, sem noção, mas não deixa de ser sublime mesmo quando é exasperante.
Minha mãe e eu sempre fomos muito diferentes. Em nossos universos separados, por temperamentos e ambições, encontramos uma área neutra onde o afeto era mais importante do que a afinidade. O fato de que muitas coisas que eu considero essenciais eram irrelevantes para ela, e vice-versa, deixou de ter qualquer importância depois que me tornei adulta.
Eu já tinha uma filha quando deixei de ser a filha de alguém com quem eu podia brigar e fazer as pazes logo em seguida. Assistir à morte da minha mãe, segurar sua mão até o fim, foi para mim uma experiência tão intensa e reveladora quanto dar à luz. Foi naquele momento de dor e perda que eu entendi a dimensão do vínculo que me une às duas mulheres mais importantes da minha vida. As duas pontas da minha história.
Na infância, sentimos como se a mãe fosse uma parte de nós. Mais tarde, é preciso cortar esse cordão, sair do ninho, marcar diferença, inventar um destino (ou um nome, como a jovem personagem de Lady Bird). Para algumas mulheres, entre as quais me incluo, a sensação de que somos atravessadas, de forma visceral, pela relação que tivemos com nossas mães se torna ainda mais evidente depois que temos filhas. Nossas mães são como uma figueira centenária plantada no centro da nossa vida, com raízes que se estendem muito além daquilo que é visível. Nossas filhas são os frutos que nos levam a voar pelo mundo – até onde a imaginação delas, e a nossa, for capaz de ir.