Uma chacina parou Novo Hamburgo, resultando em quatro mortes e nove feridos. O Vale do Sinos não dormiu, com nove horas de vigília e apreensão até o desfecho da operação.
Nunca na história do município viveu-se uma madrugada de igual terror.
Com sanha assassina, a partir das 23h de terça-feira (22), homem de 45 anos tirou a vida do pai, do irmão, de brigadiano e feriu sua cunhada, sua mãe, seis outros policiais militares e um guarda municipal. No fim, agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram no imóvel, fizeram uma varredura e encontraram o corpo do atirador.
A partir de denúncia de maus-tratos em idosos, houve cerco policial na residência, localizada na rua Adolfo Jaeger, no bairro Ouro Branco.
O pai do suspeito, 74 anos, alegou que seu filho Edson Fernando Crippa estaria proibindo-o de sair de casa.
Com a chegada das viaturas, Edson passou a disparar para todos os lados de forma inesperada e agressiva. Trabalhava como caminhoneiro, e possuía quatro armas em seu nome. Segundo a BM, era dono de duas pistolas, um rifle e uma espingarda. Mas, pelo poder de fogo e destruição, é provável que o arsenal seja maior.
Aconteceu um front de guerra, com barricadas e evacuação da vizinhança.
O atirador transformou as janelas frontais em mirante para descarregar seus cartuchos, barrando a saída dos feridos que estavam encurralados na garagem.
A imprevisibilidade da sua reação impedia invasão imediata.
Não houve nem a alternativa de mediação. O suspeito não tinha exigências, não demonstrava nenhum motivo aparente para deflagrar o pânico.
O que se assemelhava a um surto psicótico arruinou não somente a família do agressor, mas o lar do soldado Everton Kirsch, que partiu precocemente aos 31 anos, no exercício da função, deixando um bebê de 45 dias. Não desfrutou sequer da possibilidade de experimentar a dádiva da recente paternidade. Com seis anos de corporação, viu-se envolvido num massacre à queima-roupa, sem direito de defesa. Dois de seus colegas, presentes na mesma missão, foram hospitalizados em situação crítica.
Predominava a determinação de liquidar quem aparecesse como oposição. Não existe ainda explicação para o que gerou o distúrbio, a máquina de matar, a noite de fúria.
Como alguém com traços de desequilíbrio, que havia tido quatro internações por esquizofrenia, pôde portar armas? E tantas armas? Mesmo que o registro tenha sido obtido antes das crises, não é feita uma atualização dos dados do portador?
Com essa negligência, a loucura estava engatilhada para o perigo.
Amargamos tempos extremistas, de adoecimento social, em que desavenças familiares são capazes de extrapolar os limites e assumir proporções épicas. O que se apresentava no início como uma ocorrência de rotina terminou se agravando num cativeiro de extermínio.
Posto que todos os integrantes da família moravam juntos, persistiu uma zona nebulosa para dimensionar o tamanho da tragédia.
Esses assassinatos em massa, recorrentes nos Estados Unidos, começam a nos preocupar por aqui. Entre as características comuns para sua eclosão, especialistas reconhecem a soma de distúrbios psicológicos, a posse de mais de uma arma de fogo e o desejo de fama e de justiçar mazelas de desvalia e rejeição.
Nossa responsabilidade é evitar a epidemia do ódio, pois massacres costumam representar exemplos de visibilidade e aumentar as chances de novos incidentes por duas semanas. De acordo com estudos estadunidenses, é uma infecção coletiva que dura cerca de 13 dias.
Nosso luto é também um estado de alerta.