Muita gente questiona por que "chegaram de sangue doce" os PMs que foram atender o apelo dos idosos que se diziam maltratados por um filho, em Novo Hamburgo? Fácil falar, difícil fazer, é a resposta que dou para esses críticos de ocasião. Vários fatores contribuem para que relatos de abusos domésticos não sejam abordados por policiais da mesma forma que agem quando recebem informação sobre o QG de uma quadrilha de assaltantes. O episódio desta quarta-feira (23), infelizmente, deixou nove baleados e quatro mortos em Novo Hamburgo.
Alguns fatores podem explicar por que era difícil prever esse incidente. Primeiro deles, o Brasil não é um país armamentista (embora o governo Jair Bolsonaro tenha estimulado permissão para que cidadãos adquirissem armas). Não é da tradição nossa ter pelo menos uma arma por residência, como acontece nos Estados Unidos. Um estudo da organização Small Arms Survey calcula que existam 17 milhões de armas em território brasileiro, para uma população superior a 200 milhões de habitantes. Já os EUA têm mais armas (393 milhões) que habitantes.
Esse primeiro fator parece levar ao segundo, que é o fato de nos EUA e em outros países serem corriqueiros os tiroteios protagonizados por atiradores solitários. Muitas vezes enlouquecidos, que disparam a esmo, sem escolher alvo. Fatos assim são raros no Brasil.
Um terceiro ponto é que a maioria dos casos de tomada de reféns no Brasil embute apenas uma arma e um só refém. Muitas vezes, uma faca – sobretudo quando se trata dos chamados crimes passionais, que envolvem casais ou ex-casais. Em relação a filhos contra pais (que era o caso de Novo Hamburgo), mais raro ainda que o agressor use arma, até porque lida com idosos. Só que desta vez não deu a lógica. O sujeito tinha pelo menos quatro armas (duas pistolas, uma espingarda e uma carabina), o que é incomum. Parte d o armamento estava regularizado. O curioso é que ele foi submetido a testes psicológicos exigidos para atiradores e passou.
Tudo isso somado pode ter levado os PMs e guardas municipais a atenderem como chamada de rotina uma situação que se mostrou mortífera. Veteranos policiais costumam alertar os novatos de que nunca se pode subestimar a situação. Tempos atrás, um policial civil foi morto, durante ação de busca numa residência, porque o dono da casa, talvez sem acreditar que era uma abordagem policial, atirou através da porta. Difícil mesmo prever as reações das pessoas. Se mortes assim acontecem numa operação policial – que é feita de forma estudada, com uso de equipamento adequado de proteção e superioridade numérica dos agentes de segurança – o que imaginar de ações no cotidiano? Complicadíssimo. Mas é preciso estudar os casos e isso será feito. Pelo menos para evitar impasses como os que seguidamente acontecem nos EUA.