Nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, o Brasil é uma potência. Está no sexto lugar do quadro de medalhas. Apenas nessa quarta-feira (4), o país foi ao pódio em nove ocasiões. Já são 15 ouros, cinco vezes mais do que a delegação brasileira conquistou nas Olimpíadas.
Festejamos a irreverência do nadador mineiro Gabriel Araújo, o Gabrielzinho, 22 anos, com a sua terceira medalha de ouro e tempo recorde das Américas. Ele promete vencer, e vence. Brilhou nos 200m livre, 100m costas e 50m costas da classe S2 (atletas com deficiência física severa). Ao todo, ele soma seis medalhas em duas edições dos Jogos. Ainda terá a oportunidade de subir mais uma vez ao pódio na capital francesa nesta sexta-feira (6), na prova dos 50m livre.
As Paralimpíadas trazem exemplos vivos do milagre do esporte, que transcenderam a reabilitação médica e alcançaram a alta performance. Das sessões de fisioterapia, passaram para os treinos. Dos aparelhos, evoluíram para as apresentações nas pistas, nas quadras, nos tatames. Os médicos foram complementados por treinadores.
Isso tem que nos servir de alerta sobre o quanto ainda precisamos adaptar as nossas cidades para acolher os nossos campeões. Antes mesmo de desfilar em carro aberto do Corpo de Bombeiros ou ser recebidos pelo presidente da República, dependem do mínimo para o deslocamento em suas cadeiras de rodas: rampas, banheiros adequados, passarelas, transporte coletivo com elevador de acessibilidade.
Não enxergamos os obstáculos de suas vidas, mas eles enfrentam três barreiras comuns na sociedade:
- as barreiras arquitetônicas, como escadas, vias públicas íngremes, calçadas desniveladas e esburacadas, corredores estreitos;
- as barreiras comunicacionais, pela falta de compreensão e de informações e sinalizações adequadas;
- as barreiras de convivência, quando são oprimidos, constrangidos e desencorajados a permanecer nos espaços públicos.
As pessoas com deficiência se encontram menos inseridas no mercado de trabalho, com a renda pessoal dificultada. Acabam tratadas como dependentes da família, como se não tivessem autonomia e sempre necessitassem de companhia, de um tradutor.
A tirania da normalidade não permite exceções. Em vez de se falar com a pessoa com deficiência, o condicionamento é falar com quem está ao lado dela, cometendo um ato de evidente preconceito. Ela deixa de existir. A crueldade é álibi do hábito.
O que causa mais estupor e perplexidade é que sua presença numérica, de modo nenhum, é irrelevante. De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), há 18,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, cerca de 8,9% da população.
Nem o acesso à escolaridade é garantido.
A pesquisa aponta que a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência é de 19,5%, enquanto para as pessoas sem deficiência é de 4,1%. Menos de 15% dos jovens com deficiência, entre 18 e 24 anos, chegam a cursar o nível superior.
Não dá para comemorar as vitórias de nossos atletas e depois relegá-los à invisibilidade pelo resto do ano em nosso cotidiano.