
Estamos diante de um dos maiores técnicos da história, que agora assume o desafio mais hercúleo de sua carreira. Carlo Ancelotti nunca treinou uma seleção nacional; já a Seleção Brasileira conta com um um estrangeiro oficial em seu comando depois de um século. É uma convergência de estreias corajosas, de novidades assustadoras.
Não se trata de uma consequência megalomaníaca do nosso complexo de vira-lata. São dois gigantes enfim se aliando.
Tampouco cabe dizer que ele atravessa a sua pior fase. O que é um ano sem título em comparação com 11 troféus acumulados em sua última passagem pelo Real Madrid?
Se isso é fracasso, não sei mais o que é sucesso. Nem deve pesar em sua consciência ter sido derrotado pelo Barcelona nos quatro clássicos, sendo dois em decisão, com direito a duas goleadas. Superou o tradicional adversário tanto quanto. Não houve freguesia, foi uma disputa parelha: 10 vitórias e 12 derrotas.
O italiano de 65 anos é um vencedor serial. Cinco vezes campeão da Liga dos Campeões e quatro vezes do Mundial de Clubes. É o único a ganhar a liga nacional nos cinco principais países do futebol europeu: Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França. Não há campeonato que não conheça o atalho, nem jogador que não entenda o idioma. Sua experiência internacional é capaz de antecipar os esquemas táticos de nossos oponentes.
Nem adianta alegar que ele vem por dinheiro ou ganância. Ancelotti trocou os R$ 70 milhões que recebia por ano no Real Madrid por R$ 63 milhões na Seleção.
Com o anúncio oficial da CBF na segunda-feira (12), ele aceita a missão de nos levar para a Copa do Mundo, a um ano do torneio. Substitui Dorival Júnior, demitido em março, e tem como objetivo imediato garantir a classificação. No momento, o Brasil ocupa a quarta posição nas Eliminatórias — chegou a sofrer um doloroso massacre de 4 a 1 para a rival Argentina.
O maestro precisa recuperar a credibilidade da torcida, a confiança do elenco, e colocar o futebol brasileiro de volta à prateleira de cima.
Não disporá nem de tempo de realizar o frete, apenas de desfazer a bagagem. Sua estreia está marcada para o dia 5 de junho, contra o Equador, em Guayaquil.
O caos nem sempre é estéril. Vejo nossas turbulências como vizinhas do pentacampeonato de 2002. Naquela época, o Brasil viveu um rodízio de técnicos semelhante: quatro até firmar com Felipão. A pressão experimentada na campanha de 1994 também pode ser lembrada, já que igualaremos a abstinência de 24 anos, de 1970 a 1994.
Eu gostaria que Ancelotti chamasse o ídolo Paulo Roberto Falcão para participar de sua comissão, reprisando a dobradinha áurea do meio-campo da Roma. Ancelotti e Falcão conquistaram o Campeonato Italiano de 1982–83, encerrando um jejum de 41 anos sem título nacional. A convivência romana solidificou uma amizade que perdura até hoje. Falcão descreve Ancelotti como uma “liderança tranquila”.
Dependemos exatamente dessa paciência intensa para reabilitar Neymar e fazer Raphinha e Vinícius Júnior brilharem fardados da amarelinha com a mesma eficiência escandalosa que exibem em seus clubes.
Que a novela de negociação, que durou dois anos entre Ancelotti e a CBF, tenha um final feliz — e faça valer o verso de outro italiano, Eugenio Montale:
“Ma in attendere è gioia più compita”
(“Mas na espera há uma alegria mais plena”.)
O que se mostra espinhoso para o Brasil costuma ser véspera de triunfo. Pois não nascemos para o favoritismo.
Só não concordo que sua permanência esteja vinculada ao êxito na Copa. Seleção requer um trabalho longo. Ancelotti merecia se aposentar por aqui, nas areias escaldantes de Copacabana.