
Só é possível entender a dor depois de conhecê-la de perto. Só é possível acreditar na vida eterna depois de ter perdido alguém importante. O sofrimento nos transforma para sempre. É um segundo nascimento. Na escuta, aprendemos a ser humildes e não desmoralizar ou subestimar as mágoas alheias.
O médium Divaldo Franco, um dos pilares do espiritismo, despediu-se dessa encarnação na noite de terça-feira (13), aos 98 anos, por falência múltipla de órgãos, mas sua luz vai se manter acesa.
Divaldo não seria quem foi se não tivesse superado tantas provações pessoais. Natural de Feira de Santana (BA), o caçula de 14 filhos enfrentou a saudade desde cedo: o adeus precoce do irmão José, devido a um aneurisma, e o suicídio de sua irmã Nair. Os traumas o impactaram profundamente e contribuíram para o desenvolvimento de uma vulnerabilidade intensa e caridosa.
Por conta das visões e comportamentos considerados esquisitos na época, Divaldo foi vítima de zombarias e discriminação na escola. Sentia-se isolado — um estranho no ninho. O bullying entrou em sua corrente sanguínea como veneno.
Na família, seu dom tampouco era compreendido. Ninguém confiava na sua versão de que enxergava espíritos. Recebia visitas constantes de seres desencarnados, o que causava preocupação em sua família. Chegou a ser examinado por médicos e sondado por padres, pois seu pai achava que estava perturbado, ou doente, ou possuído.
Atravessou a penúria da comunicação a ponto de, ainda adolescente, tentar se matar. Mas, no fundo do poço, agarrou-se ao balde de esperança para subir à claridade do propósito e à clareza de ideias.
Em 1945, aos 18 anos, após ser dispensado de um emprego em Salvador, Divaldo dirigiu-se ao mirante do Elevador Lacerda, com vista para a Praça Cairu, com a intenção de se lançar do alto. No momento decisivo, houve a aparição de sua irmã Nair, que lhe implorou: “Didi, não faça isso!”. A advertência o fez desmaiar, poupando-lhe da queda.
Logo em seguida, passou a ser confortado por uma presença espiritual que, anos mais tarde, ele identificaria como Joanna de Ângelis, sua mentora. Escolheu parar de ouvir os ecos do passado para ouvir os mortos, parar de pensar em si para ajudar os vivos — é aceitando a solidão das diferenças que nos abrimos ao encontro —, tornando-se um líder sem precedentes, autor de cerca de 260 livros, com mais de 10 milhões de exemplares vendidos. Suas obras ganharam a tradução para 17 idiomas. Assumiu um papel de orador sensível e convicto, responsável por mais de 20 mil conferências, feitas em 2.500 cidades e 71 países.
Em 1947, junto de Nilson de Souza Pereira, fundou o Centro Espírita Caminho da Redenção. Cinco anos depois, em 15 de agosto de 1952, ergueu a Mansão do Caminho, um complexo educacional e socioassistencial, que atende diariamente mais de 5 mil pessoas.
Adotou mais de 650 filhos, que cresceram nas antigas casas-lares e o chamavam carinhosamente de Tio Divaldo.
Em suas palestras, Divaldo costumava se lembrar de uma conversa emblemática com Chico Xavier (a cena está presente também no filme Divaldo – O Mensageiro da Paz).
Ele queria se juntar ao mestre, para difundir a teoria.
— Lado a lado, seremos mais fortes.
Chico respondeu que não. Divaldo se surpreendeu com a recusa de parceria. Então, Chico explicou:
— Dois postes de luz têm que ficar separados, para levar luz a mais lugares.
Assim Divaldo permaneceu na Bahia, Chico Xavier em Minas Gerais e, somados na distância, irradiaram a energia da empatia para o Brasil inteiro.