O Inter vivia um impasse, e talvez seja o motivo de insucesso e alternâncias nas últimas temporadas.
Havia criado um time sul-americano, mas não tinha pensado em formar uma comissão adequada para atender tal peculiaridade, tal DNA.
Montou uma seleção, e se esqueceu de sustentar a sua delicada e tensa pluralidade.
Acreditava que um treinador estrangeiro seria suficiente para dar conta da Torre de Babel. Mas o próprio treinador, se conseguia influenciar seus conterrâneos do espanhol, em contrapartida, terminava isolado na outra banda, diante dos atletas brasileiros.
Isso explica o êxito do retorno de Andrés D'Alessandro ao Beira-Rio, agora na figura de diretor esportivo.
Desde que ele assumiu a função, foram duas vitórias e um empate, sete pontos conquistados dos nove possíveis no Brasileirão.
Num elenco que tem Sergio Rochet (URU), Agustín Rogel (URU), Braian Aguirre (ARG), Alexandro Bernabei (ARG), Gabriel Mercado (ARG), Lucas Alario (ARG), Enner Valencia (EQUA) e Rafael Santos Borré (COL), necessitávamos de uma interlocução mais ligada ao temperamento dos nossos países vizinhos.
Não era somente um problema de língua, mas de idioma das chuteiras, de estilo de futebol, de comprometimento com o desempenho.
Por mais que fosse bem-intencionado, seu antecessor Magrão não apresentava currículo para mediar dissidências ou inclusive entender de onde vinha a desagregação.
Já D’Ale representa um ídolo em toda a América Latina. É escutado com atenção e seriedade pelos seus colegas de ofício do Brasil — visto que recém se aposentou dos gramados, há dois anos, seus feitos no plantel e seus títulos, como Libertadores e Sul-Americana, ainda reverberam com força entre as promessas mais jovens. A joia meio-campista Gabriel Carvalho o tem, por exemplo, como divindade.
Da mesma forma que é um ícone contemporâneo da Argentina junto de Maradona e Messi, com histórico de respeito e faixas no peito no River, também tem cidadania brasileira — alcançou a glória no manto colorado e o amor incondicional da torcida, sendo o segundo jogador que mais atuou no Inter, com 529 partidas oficiais. Ele e Elías Figueroa são os únicos craques da história do clube a levar o prêmio de Melhor Jogador da América.
É um embaixador entre universos opostos, capaz de traduzir a mentalidade da aldeia, marcada por uma rivalidade sem precedentes, de explicar como funciona o perde-ganha no calendário sobrecarregado de competições e de propor uma melhor adaptação mental para a presença argentina, colombiana, equatoriana e uruguaia. Ninguém melhor do que ele para ensinar como fincar raízes e aclimatar a família em solo gaúcho.
Tanto que, das oito contratações estrangeiras, D’Ale já dividiu o fardamento com três delas: Rochet, no Nacional; Mercado e Alario, no River. Qualquer dificuldade no palco, é só chamar na coxia.
Se Charles Aránguiz (CHI) e Fabricio Bustos (ARG) tivessem esperado mais um pouco, estariam novamente inspirados.
Um dos primeiros milagres da nova gestão foi delegar a braçadeira de capitão para o centroavante Borré. Gols vêm refletindo a confiança. O próximo convertido deve ser Enner.
Roger Machado recebeu seu anjo da guarda e Alessandro Barcellos, seu melhor cabo eleitoral, tirando-o da oposição.
Quando D’Ale fala, o vestiário se cala, a torcida grita e os resultados aparecem.