Meu pai tinha um cofre. Ficava no escritório, atrás de um quadro do Vasco Prado, em nossa antiga casa na rua Coronel Corte Real, em Porto Alegre.
Ninguém conhecia a senha, a não ser ele.
Ninguém enxergava o que ele colocava lá.
Eu imaginava maços de dólares e sacos de cruzeiros. Imaginava que ele o alimentava com uma montanha de moedas do Tio Patinhas, com que daria para comprar todas as balas Xaxá no armazém da esquina.
Quando ele mexia no esconderijo, eu não podia permanecer por perto. Ele chamava a mãe para me levar embora.
O mistério durou até nossa residência ser assaltada enquanto veraneávamos em Pinhal (RS).
Assaltantes entraram pela janela do banheiro.
Ao voltarmos da praia, meu pai — percebendo a casa revirada — correu em direção ao escritório. Aproveitei o desespero para ir atrás dele.
O cofre estava escancarado.
O pai pôs, com extremo cuidado, sua mão no interior do quadrado na parede. Lembro o suspense, a minha respiração parou.
E trouxe do fundo do buraco seis espirais, seis cadernos amarelados.
— Ufa, não levaram!
Eu perguntei o que era aquilo que não parecia dinheiro.
— Meus livros de poesia! — o pai respondeu.
Ele usou o cofre para guardar o que possuía de mais precioso: sua obra inédita.
Presumo a decepção dos ladrões ao puxar um amontoado de versos. Não esperavam que, no esconderijo mais recôndito e blindado daquela residência, não houvesse nada de útil para tirar proveito financeiro.
Eu perguntei a meu pai:
Ele usou o cofre para guardar o que possuía de mais precioso: sua obra inédita
— E cadê o nosso dinheiro?
Ele me respondeu, rindo:
— Ora bolas, no banco.
Cada um tem a sua fortuna enigmática, que tem valor sentimental, não monetário.
Por isso, existe o costume de conservar, como se fosse um tesouro, um relógio antigo do avô que nem mais funciona, um livro de receitas da avó, um escapulário quebrado da mãe, um álbum de figurinhas feito em parceria com um irmão, uma caneta tinteiro da formatura.
Não tem como menosprezar os badulaques dos outros. Não tem como jogar fora algo que não é seu. Toda biografia se concentra em pequenos fragmentos do passado. Na verdade, objetos lembram pessoas importantes na nossa vida. Então, você não guarda objetos, mas pessoas dentro dos objetos, pessoas dentro da saudade.
Da mesma forma, você só se torna quem você é pelo cuidado disciplinado com os seus segredos. A vocação é um segredo, uma missão que deve ser levada a sério.
Meu pai só se tornou autor de 100 livros, único gaúcho na Academia Brasileira de Letras, com 63 anos de literatura, porque priorizou tudo o que escrevia como se fosse sagrado. Jamais brincou com a inspiração.