Nem tudo são flores quando o assunto é maternidade. Há espinhos também na jornada. A sobrecarga e o sentimento, por vezes, de insuficiência podem causar adoecimento das mães. Para ajudar as mulheres que vivem o maternar, uma campanha busca discutir os fatores envolvidos nos casos de depressão, ansiedade, esgotamento e suicídio. Realizado em todo o país, o Maio Furta-cor surgiu em 2021, em meio à pandemia, a partir da iniciativa das paranaenses Nicole Cristino e Patrícia Piper, psicóloga clínica e perinatalmédica e psiquiatra e psicoterapeuta, respectivamente.
Em Caxias do Sul, o projeto é liderado pela psicóloga Michele Bueno, com atuação perinatal e parental também. A campanha, assim como nas outras cidades brasileiras, quer falar sobre os desafios da maternidade e auxiliar as mães em um momento de mudanças físicas e emocionais.
— A maternidade ainda é idealizada como um período de plenitude. Acredita-se que o amor e o instinto materno são suficientes para garantir o sucesso do papel da mãe e de estar supostamente feliz e realizada. Mas, no entanto, pouca ou nenhuma atenção é dada a esses fatores que contribuem para o adoecimento mental. Quando temos espaço para falar sobre essas dificuldades não quer dizer que não estamos amando nossos filhos ou nossa maternidade — disse em entrevista ao Gaúcha Hoje, da Gaúcha Serra, desta quinta-feira (5).
Conforme Michele, pesquisas mostram que 20% das mulheres irão adoecer nas fases de gestação, parto e pós-parto, e que uma em cada quatro mulheres terá depressão pós-parto, por isso a necessidade de olhar para o tema com carinho e respeito, além de dar espaço para que elas possam se sentir à vontade para falar sobre o assunto. Além disso, a psicóloga destacou a importância do entendimento de que a criança é responsabilidade de toda a sociedade:
— Quando a gente fala que o filho não é somente da mãe é porque estamos falando de uma sociedade ampliada, onde entra toda uma rede de apoio. Ao longo da história, o cuidado está muito em cima da mãe. A mulher é, naturalmente, a cuidadora. Só que isso também gera um espaço de não reconhecimento das suas dores e de uma sobrecarga e, automaticamente, um adoecimento. A gente precisa ampliar no sentido de podermos levar que a criança também é da sociedade. A criança também é desse pai, desse companheiro, dessa companheira, dependendo da estrutura familiar.
Para a psicóloga, além da rede de apoio familiar, é preciso se pensar em políticas públicas para garantir a saúde mental materna. Acompanhamento psicológico, assim como é feito o acompanhamento da saúde física da mãe e do bebê, é fundamental.
— Algumas políticas deveriam ser alteradas, repensadas, para que pudéssemos olhar não só para o corpo da gestante, mas para todas as questões emocionais que abarcam esse movimento. Existe uma mudança muito grande na vida da mulher quando ela se torna mãe. São mudanças físicas, emocionais. Antes, talvez, a gente tinha uma inteira liberdade e passa a ter algumas limitações, principalmente no primeiro ano de vida dos nossos filhos. E como dar conta de tudo isso? — refletiu.
Ouça a entrevista com Michele Bueno:
Ações
A campanha Maio Furta-cor busca parceiros para promover palestras, rodas de conversa, entrevistas, lives, marchas, caminhadas, mamaços, rodas de dança e ações gratuitas ao longo de todo o mês de maio, visando alcançar pessoas nos mais variados espaços. Em Caxias, uma atividade no Parque dos Macaquinhos está programada para o dia 15, a partir das 9h. Haverá caminhada, aulas de ioga e pilates e piquenique.
Por que Furta-cor?
A campanha recebeu o nome de Furta-cor porque é a cor da maternidade: a tonalidade se altera conforme a luz que recebe. Michele explica que a maternidade tem várias cores e elas não se anulam. Não são iguais, têm as suas diferenças:
— A campanha busca esse olhar para a maternidade, para tudo o que talvez possa estar escondido. A gente pretende dar luz a isso.
Saiba mais
A campanha surgiu em 2021 após Nicole Cristino e Patrícia Piper perceberem um aumento dos casos de adoecimento mental entre as mães durante a pandemia. Escolas fechadas por mais de um ano, famílias fragmentadas, tripla jornada de trabalho, reduções salariais, desemprego, aumento do trabalho informal, aumento dos índices de violência doméstica e feminicídio foram alguns dos fatores identificados pelas duas que impactaram na saúde mental materna.
Hoje, o projeto tem quase 80 representantes em 21 estados e quatro países além do Brasil: Estados Unidos, Cabo Verde, Irlanda e Suécia. Em Caxias, são 15 voluntárias atuando no Maio Furta-cor.