O que se espera de um líder religioso é que tenha respeito sagrado pela infância.
Um vídeo de fevereiro, que se popularizou nas redes sociais recentemente, registra uma audiência do Dalai Lama, de 87 anos, com uma criança no norte da Índia.
Dalai Lama mostra a língua para o menino e faz um convite absurdo: “Você pode chupar a minha língua”.
O fã mirim recua desconcertado, pois só queria um abraço. Ficou até com nojo de um possível contato gosmento e inapropriado com a boca escancarada à sua frente.
Sua careta demonstra o quanto a admiração logo se transformou em medo.
É o mesmo que uma criança subir no colo do Papai Noel para fazer seu pedido de Natal e ser seduzida. Não vejo diferença nenhuma.
Trata-se de um adulto manipulando um ser indefeso, sem discernimento, sem capacidade de escolha, sem maturidade para reagir e se defender. É gesto de tarado usando o seu poder e influência para coagir e obter o que deseja.
Em uma nota, o líder espiritual chamou o ato de "inocente e brincalhão". Não tenho certeza do que me assusta mais: a oferta sem vergonha ou a importunação naturalizada.
Você simplesmente não provoca uma criança de igual para igual. Existe uma fronteira intransponível de responsabilidade.
Mesmo que fosse uma prática tibetana de cumprimento, o que não é, Dalai Lama é um exemplo de pensamento e de reflexões para todas as culturas. Sua linha de crença é do despojamento a partir da forte meditação e da consolidação de estados positivos de consciência pela gratidão de existir.
Só no Brasil tem dezenas de livros publicados, como A Arte da Felicidade, Contentamento: o segredo para a felicidade plena e duradoura e Ver a nós mesmos como realmente somos.
Suas próprias palavras talvez possam lhe servir no momento: “É engraçado como depositamos tanta confiança e tanto sentimento nas pessoas. Em pessoas que achávamos conhecer, mas, que no fim, só mostraram ser iguais a todos. E por esperar demais, sonhar demais, criar expectativas demais, sempre acabamos por nos decepcionar e por nos machucar cada vez mais”.
Não dá para admitir que uma figura pública de alcance mundial passe dos limites da decência, ainda que seja por impulso inconsequente de uma pretensa brincadeira.
Existe um decoro ecumênico que deve ser praticado por qualquer autoridade.
Ele não pensou na família do indiano? No círculo escolar de seus amigos? Na vulnerabilidade infantil? Naquilo que os outros poderiam pensar? Na projeção estratosférica do diálogo?
Audiência pública com Sua Santidade budista é o equivalente a missa do papa nas janelas da Praça de São Marcos. Ninguém cogita Francisco numa conversa sem freios com um de seus pequenos seguidores.
A postura de Dalai Lama, no mínimo, é de uma infelicidade criminosa, pode virar um incentivo a pedófilos, uma licença para abusar da infância, uma autorização para justificar assédios intoleráveis, uma carta branca para a circulação indiscriminada de pornografia infantil a partir de montagens de fotos familiares.
Eu me pergunto: não bastava um beijo na face para celebrar o carinho?
Por que o constrangimento? Por que a humilhação? Por que o erotismo indevido?