Realizei meu sonho de sambar na Sapucaí pela Portela, em 2019, quando a escola homenageava Clara Nunes. Éramos dois casais de amigos, eu e Beatriz, meu melhor amigo Zé e Carol.
Decoramos a letra como quem tenta aprender inglês em uma semana antes de viajar ao Exterior.
Aterrissamos no Rio de Janeiro absolutamente desinformados de onde íamos, em qual ala.
Recebemos um chamado secreto para estarmos na concentração duas horas da madrugada. Depois, teríamos novas instruções. O desfile seria 6h. Ficamos quatro horas tentando permanecer acordados.
Gritamos como nunca, bailamos como se fosse o fim do mundo, giramos e realizamos as coreografias com uma força incontrolável.
Ao retirarmos as fantasias, não compreendíamos o que significavam, apenas percebemos que se tratava de uma armadura. Parecia, a princípio, um abacaxi dourado com um cocar.
Beatriz riu:
- Não, somos príncipes!
Zé é Carol completaram:
Montados num burrico.
Éramos cavaleiros e animal num único figurino, exigindo exímia coordenação motora para entrarmos nele. Eu fiquei confuso diante do quebra-cabeça da fantasia, mais difícil do que as surpresinhas do Kinder Ovo para os filhos. E sem manual de instrução.
Num mutirão de socorro com outros carnavalescos, encontramos o encaixe das peças.
Só que o adereço pesava muito, com uma coroa cinco vezes o tamanho de nossa cabeça.
Meu nervosismo alegre com a estreia logo se transmudou em pânico. Se estava tenso para dançar diante de um público de milhares de pessoas, agora me encontrava aflito se disporia de condicionamento físico para atravessar 700 metros do sambódromo com a sobrecarga no corpo.
Mal conseguia andar sem pender para um lado. Não poderia desistir. Minha esposa não perdoaria a covardia.
Ao nos enfileirarmos no batalhão, foi uma taquicardia, coração disparado, uma dose cavalar de adrenalina com a bateria enlouquecida.
“Eparrei Oyá, Eparrei
Sopra o vento, me faz sonhar
Deixa o povo se emocionar
Sua filha voltou, minha mãe.”
Gritamos como nunca, bailamos como se fosse o fim do mundo, giramos e realizamos as coreografias com uma força incontrolável. Realmente, não dá para explicar o que é fazer parte das engrenagens humanas de uma escola de samba do Grupo Principal: você fica absolutamente extasiado com a exuberância e o sincronismo.
Pena que o meu combustível e o do Zé acabou trinta minutos depois. Gastamos tudo o que tínhamos de energia na largada. Já queríamos renunciar o reinado.
As meninas ainda cirandavam sobrando, leves e irrefreáveis, rainhas passistas, e nós éramos mulas troteando, fingindo movimento, suando frio, arrastando as pernas até a linha de chegada. Por muito pouco, não desmaiamos.
Deitamos exaustos, asmáticos e desidratados na avenida ao final. Demoramos para ressuscitar.
Pode creditar a ausência do título daquele ano em nossa performance. Não contribuímos para a evolução da Portela.