Não acho que, para um casamento dar certo, o casal tenha que morar em casas diferentes. Ou dormir em quartos separados. Mas acredito que precisa de dois banheiros.
Numa situação ideal e até imprópria para a maior parte das famílias brasileiras, cada um mereceria contar com o seu toalete. É ainda uma solução mais barata do que manter duas casas ou ocupar dois quartos.
Não somente para evitar as indiscrições que matam a atração, como fazer necessidade de porta aberta. Ou deixar cheiro desagradável para quem chega, apesar da descarga dupla. Ou entrar em discussões inúteis sobre quem molhou a tampa da privada (óbvio que foi o homem) ou quem não fechou o registro da ducha higiênica (óbvio que foi a mulher).
É que simplesmente não dá para dividir um banheiro com a esposa. É humanamente impossível.
Você tem uma caixinha de sapatos de produtos, ela tem um contêiner. É um quiosque concorrendo com uma megafarmácia, um armazém disputando a área com um supermercado, uma gôndola sendo atropelada por um navio cargueiro.
Proporcionalmente, você será um sócio minoritário pelo resto da vida.
Só com o que ela usa de perfume, de loção, de creme, de maquiagem, de secador, de chapinha, de touca, de escovas, de xampus, de condicionador, de massageador, não resta espaço nenhum para você existir. Não restam uma gaveta, uma estante do armarinho, uma esmola de lugar.
Quando a mulher se arruma para sair, ela não tem mãos, mas tentáculos. Estará se pintando e ajeitando os cabelos, em manobras simultâneas características de salão lotado.
Você tentará fazer a barba naquela imobilidade de estátua, e correrá o risco de se cortar devido à dança da dominação territorial.
São ritmos diferentes no banheiro. Ela gesticula com os braços como no rock, você se encolhe no jazz. Ela rebola como num samba, você se isola na solidão da milonga.
Sua presença será amaldiçoada, criticada, malvista. Ao tomar banho, ela vai reclamar do vapor no espelho.
No começo da relação, na hora de escovar os dentes romanticamente juntos, você talvez não tenha notado a profecia: a sua esposa ia acotovelando você, empurrando você para o lado, até você sair de cena e ela ficar com a exclusividade da pia. Por não encontrar fresta para cuspir — já não aguentava segurar por tanto tempo a espuma, estava quase se afogando no creme dental —, você acabava se socorrendo no tanque da lavanderia. Era o jeito de esguichar a água incansavelmente bochechada. Tratava-se de um sinal evidente de que estava sobrando.
Afora que o banheiro — rudimentar, funcional e básico pelo seu uso — ganhará dimensão de camarim. Ela colocará um toque pessoal nos cantinhos, excluindo o seu temperamento na decoração. Haverá vasinhos de plantas, toalhas rendadas, capas, potes aéreos coloridos, sprays aromatizantes, papel higiênico de folha dupla igual a um guardanapo, esponja, lixador de pés, lenços umedecidos, sabonete líquido. O cheiro de campo de flores irá constranger a sua frequência.
Não existiu uma divisão oficial do espaço, aconteceu informalmente. À medida que ela assumia o controle do local, você sumia devagar. Terminará por procurar o asilo diplomático no banheiro de visita. Afinal, você se tornou a visita em sua própria casa.