Eu me tornei o único da família com casa na praia, em Capão da Canoa.
O luxo foi, na verdade, uma temeridade.
Eu só conheci toda a minha família, tios e primos, depois de adquirir o imóvel. Os encontros não aconteceram em casamento, ou batizado, ou enterro, mas no meu paradeiro no litoral gaúcho. Nem sabia que existiam tantos parentes. Mesmo eles sendo de Porto Alegre, minha cidade, jamais me visitavam. Evidente que apareciam para matar a saudade das ondas, não de mim, não dos seus laços de sangue.
Há um oportunismo do verão que atinge qualquer sobrenome.
Ter casa na praia é um chamariz, um magneto, um mel para os turistas familiares, que procuram uma opção para ficar de graça e economizar nas férias.
Eles não agendavam visitas, simplesmente surgiam com as suas malas e isopores para passar alguns dias, que acabavam sendo uma temporada inteira. Diziam que iriam embora “amanhã" para aproveitar mais um dia de sol, e o amanhã nunca chegava, apesar da chuva.
A desculpa para a aparição repentina costumava ser invariavelmente a mesma: "Estávamos por perto". Perto de quê? Pegavam a freeway para um único destino: o meu endereço!
Isso quando a justificativa não se mostrava de uma natureza falsamente generosa: "Não queríamos deixá-lo sozinho numa casa tão grande".
Será que eles não se lembravam da minha esposa e dos filhos, e dos namoros dos filhos?
O fato de ter muitos quartos complicou a minha vida, fez crescer o olho guloso da turma.
Jamais conheci paz e descanso, jamais contei com o privilégio de usar a rede no jardim — sempre havia alguém dentro dela balançando —, jamais consegui a transição direta do mar ao chuveiro quente — sempre havia alguém tomando banho —, jamais recuperava a geleia de morango e o doce de leite — sempre havia alguém lanchando.
Deveria esquecer o meu lugar no sofá, o meu lugar na mesa, o meu lugar na varanda, não existia poltrona de papai com comitiva praiana.
Virei líder comunitário, condicionado a cuidar para não pisar em minas no chão, nos pés e nas mãos das pessoas dormindo nos colchões espalhados pela sala. Não podia assistir à TV até tarde, porque tinha que liberar o aposento para as visitas.
Cascos de cerveja na mesa e toalhas molhadas nos ombros das cadeiras formavam um quadro de acampamento, de indigência, de restos de ressaca.
Já recebi 20 pessoas ao mesmo tempo. Por muito pouco, o telhado não estava ocupado. Acho que um foi chamando o outro, fofocando sobre as facilidades da convivência e comida à vontade.
Quem continuava enchendo a geladeira era eu, mais ninguém. Quem custeava os churrascos era eu, mais ninguém. Quem precisava chegar mais cedo para preparar o almoço era eu, mais ninguém.
Tal como a clássica canção Casa de Praia, de Ernesto Nunes:
"O sonho de ser feliz
eu, a mulher e as gurias
se transformou num hotel
de quinta categoria
No forte da temporada
é lotação esgotada
durante sessenta dias
Saía um e vinha outro
e a casa sempre lotada
areia por todo o canto
e roupa suja jogada"
Para proteger a minha sanidade, coloquei a minha residência para aluguel no Airbnb. Agora só vou para lá em abril. Mas confesso que ando um pouco emotivo e sinto saudade daquela deliciosa confusão.