O casal gaúcho de arquitetos Ana e Airton Cattani, junto há mais de quatro décadas, acabou de publicar um livro de fotografias chamado Tempo, com 101 imagens em preto e branco de mãos, legendadas com a idade e as iniciais das pessoas.
Sou um fã da sinceridade das mãos. Envelhecemos pelas mãos. Podemos salvar o rosto da erosão dos anos, menos as mãos, que são como os círculos dos anos da árvore impressos no tronco.
Ao ser cortada, a árvore apresenta círculos escuros na sua base. Cada círculo é um anel de crescimento, correspondendo a um ano de vida. Podem ser contados de dentro para fora, a partir da medula.
As mãos entregam tudo o que vivemos. São os nossos registros, nossos sudários. Lá estão os nossos amores, as nossas amizades, os nossos filhos, os nossos sonhos, os nossos fracassos.
Elas que formalizam o relacionamento, mais do que o beijo na boca e os abraços. É só andando de mãos dadas que estaremos prontos para enfrentar os olhos do mundo.
A paternidade e a maternidade também são consumadas quando você oferece o dedo para o seu bebê e ele se esforça para prendê-lo na sua conchinha de dedos.
A velhice é um caso de devoção à parte. Quando recolho as mãos macias de minha mãe, hoje com 83 anos, vejo as suas veias com maior nitidez, o mapa hidroviário de seu coração. Parece que a alma salta para a superfície, parece que o nosso corpo vira um atlas, revestido apenas pelo tecido fino da pele, quase transparente.
Entre os vincos e as dobras, aliso as suas linhas do destino. E me encontro numa delas. Sou uma delas. No inverno da minha infância, perto do fogão a lenha, ela aquecia as minhas mãos nas suas axilas. Apertava os braços produzindo calor antes que eu saísse para a escola. Depois, na sala de aula, eu continuava a combater o frio colocando as mãos debaixo das pernas na cadeira.
Peço a Deus que eu tenha a sorte de segurar as mãos de minha mãe quando ela partir (e espero que isso demore muito para acontecer). Que ela divida comigo o seu suspiro. Que entrelacemos os calos da existência em um nó firme e intransponível. Que o cumprimento do adeus encontre a paz da amizade. Que eu conte com a chance de agradecer por ser o seu filho até o último minuto do seu último dia.
É um privilégio para poucos estar presente quando quem amamos morre.
Acredito que, mesmo sem batimento, ela continuará apertando a minha mão. Não vai largá-la. Levará a minha mão com ela até o céu.