Na condição de superintendente do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul, Bernardo Todeschini acompanha de perto a preparação do Estado para a auditoria da pasta sobre os serviços veterinários gaúchos, que começa nesta segunda-feira (2). Caso os técnicos encontrem boas condições, será possível reivindicar a progressão de status sanitário de zona livre de aftosa sem vacinação diante da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), o que deverá ampliar mercados para criadores gaúchos, cujos produtos muitas vezes são barrados ou desvalorizados em razão da vacina.
Se pensarmos especificamente no Rio Grande do Sul, o padrão de qualidade da carne bovina compete com as melhores do mundo, é um produto pronto para entrar nas mesas de maior valor agregado do planeta.
— O preço médio global, por tonelada de carne bovina, oscila entre US$ 3 e US$ 3,5 para produtos de países livres de aftosa com vacinação, como o Brasil. Mas passa dos US$ 4 para livres de aftosa sem vacinação. E há exceções como o Japão, que chega a pagar US$ 7 por tonelada.
É exatamente mirando o apetite japonês que o Ministério da Agricultura trabalha a progressão de status sanitário. Já há tratativas para que o país asiático realize inspeções técnicas não só do Rio Grande do Sul e no Paraná — Estado que está mais adiantado no processo — mas também Goiás e Rondônia. Atualmente, apenas Santa Catarina desfruta dessa condição sanitária.
— A visão da ministra não se baseia em nenhum palpite, mas em auditorias tecnicamente embasadas, em relatórios que informam que o serviço veterinário desses Estados dá a eles condições de evoluir.
Nesta entrevista, em meio ao primeiro fórum nacional sobre o programa de erradicação e prevenção da febre aftosa, realizado na Expointer, em Esteio, o superintendente analisa o ponto de partida da inspeção e as políticas públicas nele envolvidas.
O ministério já trabalha com um cenário em que o Rio Grande do Sul suprima o uso de vacina contra a febre aftosa?
A visão da ministra Tereza Cristina é que a sanção pela vacinação contra a febre aftosa é um limitante ao empreendedorismo. Se pensarmos especificamente no Rio Grande do Sul, o padrão de qualidade da carne bovina compete com as melhores do mundo, é um produto pronto para entrar nas mesas de maior valor agregado do planeta. Isso tem um grande trabalho de seleção genética que os produtores fizeram ao longo de décadas, em alguns casos até de uma centena de anos… Essa carne tem um valor agregado gigantesco, e no entanto, segue sendo uma carne ingrediente, uma commodity, em função de um limitante que na verdade não é legítimo em termos de efetivo controle da doença.
Quer dizer que já há condições de avançar de status concretamente?
O fato é que hoje, o que se percebe na condição epidemiológica da enfermidade, no Rio Grande do Sul, no Brasil e no Conesul, não justifica mais a gente continuar trabalhando como há 20 anos. Essa é sempre uma pergunta que precisamos responder quando os importadores vêm negociar: se não tem aftosa, porque vacinam? Em termos técnicos, ninguém vacina contra uma enfermidade que não existe, isso não faz sentido. É muito complexo fazer com que os países importadores tenham confiança de que não há febre aftosa (na região) se a gente pratica uma técnica desnecessária.
Então o governo já trabalha com esse horizonte concreto?
O plano estratégico de erradicação e prevenção já prevê a supressão e a evolução para a condição de país livre de febre aftosa sem vacinação. Para todo o Brasil. Claro que cada bloco tem uma visão em termos temporais para chegar a essa condição. Mas a visão final do ministério é essa, e é muito sólida em termos de orientação. Cada vez mais governo e produtores estão olhando para o mesmo lado.
Mas já há mobilização para abertura de novos mercados levando em conta essa condição?
Sim. Recentemente enviamos uma comitiva para o Japão e a China. No Japão, a ministra já está trabalhando com a perspectiva da expansão da oferta de produtos livres de febre aftosa. Hoje, temos apenas para Santa Catarina. Então, ela conta muito com os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Goiás e Rondônia e é nisso que está trabalhando. E a visão da ministra não se baseia em nenhum palpite, mas em auditorias tecnicamente embasadas, relatórios que informam que os serviços veterinários desses Estados têm condições de evoluir.
O ministério já dá como certa essa evolução?
A ministra Tereza Cristina corrobora totalmente com os técnicos de saúde animal. Havendo condições técnicas, avançamos; não havendo, não devemos avançar, de forma alguma. Ela respeita plenamente esse ponto, a decisão é técnica. O relatório que for apresentado para a ministra, se for diagnosticado que existem condições, o Rio Grande do Sul avança, se for diagnosticado que não tiver condição, não vai avançar.
Há receio entre criadores de bovinos com alta carga genética, que veem no Uruguai um exemplo bem sucedido de negociação com mercados, como o dos Estados Unidos, por exemplo, mesmo mantendo a vacina. Não seria possível o Brasil fazer o mesmo?
Existem vários nichos de carne. O acesso que a gente pensa, é carne ingrediente, a mais barata que existe. Nós até vendíamos para os Estados Unidos, paramos por questões técnicas e está sendo retomado, vai recomeçar. O Rio Grande do Sul historicamente exporta carnes para os EUA, mas é carne enlatada. É um produto interessante, mas inegavelmente tem menor valor agregado, acessa uma parcela do mercado que vale pouco. A supressão da vacina da febre aftosa permite que o país se mova além desse cenário, deixe de vender exclusivamente carne ingrediente. Ter um mercado aberto é portfólio, mas isso não significa que o produtor esteja recebendo o preço que seria devido por seu produto. No caso dos Estados Unidos, eles compram a nossa carne e vendem carne premium deles para países que pagam mais, eles vendem para o Japão, por exemplo. É uma estratégia comercial bastante eficiente e legítima.
Dá para mensurar o impacto para o produtor?
O cenário é bastante claro, os preços para países sem vacinação é pelo menos 25%, 30% mais alto. O preço médio global, por tonelada de carne bovina, oscila entre US$ 3 e US$ 3,5 para produtos de países livres de aftosa com vacinação, como o Brasil. Mas passa dos US$ 4 para livres de aftosa sem vacinação. E há exceções como o Japão, que chega a pagar US$ 7 por tonelada. Isso faz com que a Austrália, por exemplo, exporte a metade da nossa carne, em termos volumétricos, e ganhe mais dinheiro do que o Brasil. Esse é o jogo que a gente tem que tentar virar.