Um dos ramos de maior peso na economia gaúcha e terceiro setor que mais exporta no Estado está sob pressão. Desde o ano passado, força-tarefa comandada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho faz uma série de operações de fiscalização nos maiores frigoríficos do Rio Grande do Sul.
As metas são verificar se as indústrias se adaptaram às novas normas que entraram em vigor em 2013 e tentar diminuir os problemas de saúde entre os funcionários - em função do ofício exigir esforço e grande repetição de movimentos nas linhas de produção.
A razão para compreender ofensiva em busca de passar uma lupa em quesitos como segurança dos equipamentos e excesso de ritmo de trabalho em empresas de abate e processamento de carnes aparece nas estatísticas do Ministério da Previdência.
Em 2013, último ano com números fechados, o setor figura com o segundo maior número de acidentes de trabalho no Estado, só atrás da área de atendimento hospitalar. Foram 2,9 mil casos em abatedouros de bovinos, suínos e aves e fábricas de derivados - 9% a mais do que o ano anterior e o equivalente a 5% de todos os registros no Rio Grande do Sul.
As características da tarefa e a pressão por produtividade, alega o MPT, seriam geradoras do grande número de lesões em ossos, músculos e ligamentos, as chamadas doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, conhecidas como LER/DORT, principalmente nos punhos e ombros, além de casos de distúrbios emocionais.
- É um trabalho agressivo, exige muita repetição. Tem forte carga física e mental. Começou a chamar a atenção porque o setor tem um grande número de trabalhadores que adoece - observa o procurador Ricardo Garcia, coordenador estadual do projeto pelo MPT.
Para pesquisador, quatro em cada 10 ficam doentes
À frente de duas pesquisas sobre condições de trabalho nos frigoríficos, o sociólogo Paulo Peixoto de Albuquerque, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera o problema de saúde dos funcionários uma doença social.
Segundo ele, pelo menos quatro em cada 10 trabalhadores de abatedouros acabam apresentando sintomas. Os males, aponta, acometem principalmente jovens, por serem mais rápidos e produtivos.
- O natural é esse trabalhador entrar sadio e sair doente. Depois, acaba se "encostando" no INSS e quem paga por isso é a sociedade - diz Albuquerque.
Os alvos iniciais da força-tarefa foram os frigoríficos de frango. Ocorreram 10 operações, com seis plantas interditadas e, depois, liberadas para voltar a operar após fazerem adequações. Neste ano, a atenção se volta para 12 indústrias de carne bovina e suína.
Os frigoríficos dizem que estão dispostos a se adequarem às exigências, mas pedem tempo para o cumprimento das novas normas. Um dos problemas, alegam os representantes do setor, é que muitas normas são sujeitas a diferentes interpretações, o que causa insegurança para implementar as mudanças.
A dor como companhia
Demitido após cirurgia, Silva foi à Justiça e conseguiu ser recontratado por empresa de Montenegro (Foto Adriana Franciosi / Agência RBS)
Até trocar uma lâmpada em casa é uma missão praticamente impossível para Ezequiel da Silva, 51 anos. Mesmo após passar por cirurgias nos dois ombros, as dores e a incapacidade de manter os braços levantados são as heranças do esforço repetido em uma unidade de processamento de carne de frango em Montenegro, no Vale do Caí.
Silva entrou na empresa em 2003. Primeiro, ele passava nove horas manuseando uma pá com a massa usada para fazer empanados. Depois, resistindo às dores por meio de infiltrações, erguia blocos de carne congelada, em uma das etapas da fabricação de embutidos.
- No trabalho, parecia que eu estava com um espinho cravado no ombro.
Em 2011, Silva fez a primeira cirurgia. A outra foi em 2013. Quando voltaria a trabalhar após a segunda intervenção, foi demitido. Mas uma ação na Justiça obrigou a empresa a reintegrá-lo por ter direito a um ano de estabilidade, uma vez que voltava de um procedimento cirúrgico.
Foi, então, transferido para o setor de limpeza, serviço considerado mais leve. Apesar disso, Silva acredita que, depois de passar o prazo de um ano, em novembro, será dispensado. E teme não conseguir mais trabalho, tornando-se mais um "encostado" no INSS.
As limitações são parecidas para Maria Salete Tavares de Oliveira, 51 anos. Para ela, varrer a casa ou apenas pentear-se são tarefas corriqueiras que viraram um pesadelo pela companhia da dor nos braços.
Ao contrário de Silva, porém, ela vive o jogo de empurra do INSS e da empresa, após também ter operado um ombro. À espera de uma perícia hoje, ela conta que o frigorífico não quis reintegrá-la, apesar de o instituto, por enquanto, ver condições para que volte a trabalhar. Enquanto isso, vive da pensão do marido, morto há dois anos.
- Gasto R$ 500 por mês em remédios para dor - desabafa.
Combinação de alto risco
Perigo cresce devido a trabalho repetitivo (Foto Ministério Público do Trabalho, Divulgação)
Com 16 anos de experiência na área frigorífica, a presidente da Associação Catarinense de Medicina do Trabalho (Acamt), Denise Fátima Brzozowski, atribui o grande número de acidentes de trabalho no setor e episódios de adoecimentos à combinação entre as características do ofício e o ambiente em que é realizado.
Neste conjunto de fatores, lista a especialista, está a necessidade de o local ser refrigerado por exigências sanitárias. Associado ao frio, estão a tensão em que as tarefas são executadas para garantir precisão nos cortes, a pressão pelas metas de produção e a posição estática, o que aumenta o risco de lesões nos membros superiores.
Mesmo que considere o esforço uma causa maior do que a repetição para o aparecimento de doenças osteomusculares, Denise observa que existem tarefas em que a exigência de fazer os mesmos movimentos várias vezes em um curto espaço de tempo estão muito acima do limite recomendado por estudos.
Estima-se que uma pessoa responsável pela desossa de uma coxa e sobrecoxa de frango, por exemplo, faça de 80 a 120 movimentos por minuto, quase quatro vezes mais do que o recomendado.
- Até 30 ações por minuto o risco de um distúrbio osteomuscular é pequeno, desde que se cumpra algumas premissas ergonômicas. Mas, ao nos depararmos com 80 a 120 movimentos, o risco de lesões é muito grande - avisa Denise, lembrando que, para tarefas como essa, pausas para recuperar-se adequadamente da fadiga são essenciais.