Logo no início da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em 30 novembro de 2023, foi aprovado um fundo climático para financiar as perdas e danos dos países vulneráveis. A decisão concretizou o principal resultado do evento anterior e, na avaliação de Madeleine Diouf Sarr, presidente do grupo de países menos desenvolvidos, que representa 46 das nações, teve um “enorme significado para a justiça climática".
Dois meses antes, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, havia afirmado que “o mundo precisa de justiça climática assim como precisa de justiça financeira”, já que muitos países em desenvolvimento não conseguiam pagar dívidas devido aos efeitos da pandemia, à crise do custo de vida e aos impactos climáticos extremos.
Apesar de ter recebido mais visibilidade nos últimos anos, o termo justiça climática vendo sendo pauta da ONU e de outras organizações ligadas ao meio ambiente há bastante tempo. De acordo com Jeronimo Roveda, diretor jurídico e advocacy da Biofix Brasil, a expressão foi utilizada pela primeira vez em 1990, mas só foi reconhecida no Acordo de Paris, em 2015.
O termo é usado para se referir à busca por igualdade entre os países ricos e pobres, quando o assunto é o enfrentamento dos impactos gerados pelas mudanças climáticas e eventos extremos. O especialista afirma que esse foi um dos pontos mais tratados durante a COP28:
— É um desdobramento da justiça ambiental, que estabelece que os impactos do clima devem ser julgados a partir dos vieses ambiental e social. No cenário ideal, todos os povos seriam atingidos pelas mudanças climáticas de maneira igualitária. Mas o que vivemos hoje é uma injustiça: populações vulneráveis e países subdesenvolvidos são mais atingidos.
A advogada Priscila Artigas, presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), acrescenta que essa injustiça se evidencia quando os mais pobres são os que mais sofrem em razão das mudanças climáticas. Nesse grupo, estudos mostram que os mais atingidos são mulheres, crianças e idosos, justamente os que menos ocupam cargos de poder em organizações que tratam de sustentabilidade ambiental, aponta.
Na visão de Roveda, as pessoas estão começando a entender melhor o que esse termo significa e que há uma disparidade no impacto, em função das tragédias que vem ocorrendo, como as enchentes no Vale do Taquari no ano passado. O diretor jurídico também comenta que a justiça climática pode ser buscada por meio de políticas públicas, de financiamentos climáticos e da litigância climática, que se refere a ações judiciais.
Como exemplo dessas formas, Roveda cita o projeto de financiamento climático Ilha do Bananal, desenvolvido pela Biofix, que utiliza a ferramenta de compensação da pegada de carbono e tem como objetivo proteger mais de 2,2 milhões de hectares na região de transição entre os biomas Cerrado e Amazônia. Trata-se de uma medida preventiva, que gera recursos para as comunidades do local, beneficiando mais de 4 mil pessoas.
Já a litigância climática se refere a ações judiciais.
— É um movimento de muitos anos, que se trata de levar essas questões de alterações prejudiciais ao meio ambiente para a justiça. Protocolar ações judiciais envolvendo esses assuntos. A primeira proposta foi nos Estados Unidos, na década de 1990, sendo que uma das mais conhecidas foi em 1994, movida pelo Greenpeace contra o governo da Austrália — detalha Priscila.
Litígio climático mais do que dobrou em cinco anos
O Litígio Climático Global, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pelo Centro Sabin para Leis de Mudanças Climáticas da Universidade Columbia em julho de 2023, aponta que o número total de processos judiciais relativos às mudanças climáticas mais do que dobrou entre 2017 e 2022, saindo de 884 para 2.180.
“Ainda que a maioria dos casos tenha ocorrido nos EUA, o litígio climático está se enraizando em todo o mundo, com cerca de 17% dos casos agora sendo reportados em países em desenvolvimento", diz um trecho do texto que anuncia o relatório. As ações foram encaminhadas a 65 órgãos de justiça ao redor do mundo.
Para Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma, os dados demonstram que “as pessoas estão se dirigindo cada vez mais às cortes para combater a crise climática, pressionando e responsabilizando os governos e o setor privado e fazendo do litígio um mecanismo-chave para assegurar a ação climática e promover a justiça climática.”
Conforme Priscila, o Brasil ainda não possui muitas ações do tipo, mas há algumas emblemáticas, como aquela envolvendo o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima). Em 2022, por maioria, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o contingenciamento das receitas que integram o fundo e determinou que o governo federal adotasse as providências necessárias para o seu funcionamento, com a devida destinação de recursos.
— Não temos muitos casos no Brasil. Agora, na América Latina, tem um bastante conhecido, que ocorreu na Colômbia, quando a Corte obrigou o país a formular um plano de ação para zerar a perda da floresta amazônica — comenta a advogada.
A especialista cita outro caso internacional de grande repercussão: na Europa, seis jovens portugueses entraram com uma ação no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) contra 32 Estados por sua inação diante do aquecimento global.
Em relação a quem pode mover esse tipo de ação, Priscila esclarece que cada jurisdição tem uma regra e que, no Brasil, há várias medidas judiciais que podem ser utilizadas, como ação popular e mandado de segurança coletivo:
— Mas a única que pode ser utilizada por qualquer pessoa física, desde que atenda determinados pré-requisitos, é a ação popular. As outras têm especificações previstas em lei, e aí precisa envolver associações civis, Ministério Público ou Defensoria Pública. Até por isso que aqui não temos tantos exemplos de casos de litigância.
Priscila destaca, entretanto, que as ações são demoradas, mas acabam gerando uma repercussão que vai muito além do próprio julgamento, já que gera uma “pressão” para que os acusados comecem a agir para obter resultados positivos.
— As pessoas sabendo que podem fazer isso já é um movimento muito importante para a mudança de paradigma. Quem estuda o tema sabe que são ações difíceis, que podem nem ser julgadas, mas acabam tendo efeitos positivos. Gera uma mobilização importante, repercute muito e os países começam a repensar — finaliza a advogada.