O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Na noite de 4 de setembro, o servidor municipal e pescador Paulo Alexandre Schuster, o Maninho, embarcava em um bote dos Bombeiros. Conhecedor do Rio Taquari, ele orientou os primeiros soldados da corporação deslocados para socorrer famílias ilhadas em residências no munícipio de Colinas, no Vale do Taquari.
Horas antes, se encerrava, em Brasília, um seminário promovido pelo Ministério do Meio Ambiente sobre Justiça Climática. A programação, agendada com antecedência, estava no contexto das discussões do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), criado em 2016 com prazo expirado em 2020, ainda sem renovação. Esse instrumento, entre outras abordagens, busca efetivar a participação das comunidades, a exemplo da que levou Maninho a liderar os resgates no Rio Taquari, e engajar Estados e munícios no planejamento e execução de políticas públicas e de justiça climática.
Sim, políticas públicas, porque relatório chancelados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), órgão vinculado às Nações Unidas (ONU) aponta que 3 bilhões de pessoas no mundo vivem em lugares vulneráveis à crise climática e que eventos climáticos tiraram 2 milhões de vidas em 50 anos. Sim, justiça climática, porque a maioria da população vitimada ou exposta é composta por pessoas negras, indígenas e mulheres.
Ninguém quer ver as cenas presenciadas no RS, sobretudo no Vale do Taquari, e em Porto Alegre, na semana passada, mas elas estão no radar da ciência já tem um bom tempo. Outro relatório, desta vez do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU) alerta que esses fenômenos devem aumentar em 15% no Sul do país, isso sem falar na estiagem: e foram três nos últimos quatro anos por aqui.
Saber como agir é papel do poder público e demandará cada vez mais de recursos. Projeto aprovado no Senado no final de agosto destina 5% do valor de multas ambientais para um fundo de prevenção de desastres. Após os incidentes no Sul, ganhou celeridade de tramitação na Câmara.
O PNA é só uma evidência da sucessão de descasos sobre o tema. Em 2013, o Brasil lançou o Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres Naturais, que previa R$ 18,8 bilhões até o final de 2014. Foram destinados R$ 7,2 bilhões naquele ano, menos da metade, dentro do desmantelamento já mencionado pela coluna, que derrubou o orçamento de prevenção em 89,5% – de R$ 11,5 bilhões, em 2011, para R$ 1,2 bilhão em 2023.