O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
As cenas presenciadas em diversas regiões do Estado, sobretudo no Vale do Taquari e em Porto Alegre na semana passada, estão no radar da ciência e de grupos temáticos que buscam a redução de danos, durante os eventos extremos da natureza. Um desses núcleos o de Justiça Climática do Greenpeace Brasil é coordenado por Igor Travassos que nesta entrevista aponta algumas linhas de ação prioritárias para salvar vidas e evitar prejuízos econômicos.
O que é a justiça climática?
É pensar que eventos climáticos extremos afetam pessoas de diferentes formas. E, a partir disso, questionar quem é a população mais impactadas. Isso gera mais um retrato da desigualdade que é acentuada por esses efeitos.
Como isso acontece no país?
O PNA (Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima) é um instrumento do governo federal, instituído em 2016 com prazo de quatro anos, portanto, que deixou de valer em 2020. Cobramos que o atual governo retome esse plano. Só que essa política pública precisa acontecer em Estados e municípios, porque o Brasil é um território de proporções continentais e cada local é afetado de maneira diferente. Por exemplo, hoje, o Rio Grande do Sul sofre com forte chuva e o Norte com uma estiagem prolongada. É preciso saber como cada Estado se adaptará à crise climática. Não se trata apenas de prevenção, também da conservação dos biomas, das florestas. A destruição desses biomas é que acelera o processo de mudança climática. O que muitas pessoas relutam em reconhecer é que já estamos convivendo com um processo acelerado de mudanças climáticas. É preciso nos adaptarmos a elas.
De que forma?
É possível prevenir os danos materiais, mas, sobretudo, humanos para evitar mortes e garantir o direito constitucional à vida das pessoas antes que a tragédia ocorra. Para isso, é preciso de um plano de ações, uma estratégia combinada por várias aéreas de atuação e esferas de governo. Envolve a Defesa Civil, passa pelo sistema de Saúde e de Educação, Transporte Público e, muito importante, políticas públicas de moradia e habitação.
Como, se os recursos para isso são menores a cada ano?
Percebemos a redução de aportes financeiros para esses enfrentamentos, só que é necessário priorizá-los. Todos vemos a quantidade de prejuízos financeiros na esteira de um evento climático extremos. Um estudo do RS (divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas -IPH - da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRG) indica ser possível economizar até R$ 28 para cada R$ 1 investido em prevenção. Ou seja, a verba destinada à prevenção significa mais eficiência para o orçamento público.
Há também mais fiscalização?
Existem pesquisadores que apontam uma “indústria do desastre”. Esse conceito está ligado ao fato de que, quando se decreta calamidade pública, automaticamente estabelecem-se as flexibilizações de procedimentos. Uma delas é a dispensa de licitação para compra de insumos. Há casos em que produtos são adquiridos, nessas ocasiões, por valores acima dos de mercado, porque abre-se mão de mecanismos importantes para o controle orçamentário.
Por onde se começa?
É necessário entender que a emergência climática é agora, não é para depois. E, dentro disso, estabelecer as ações necessárias para que os governos ajam nesses momentos. Falta orientação. A população precisa estar preparada. Os alertas de enchente não podem vir com duas horas de antecedência. Junto com o alerta, a população precisa saber se a área onde vive será afetada, se terá de sair de casa, para onde deve ir. São coisas básica, cuja falta de procedimentos acaba por provocar um terrorismo climático fundamentado em desinformação. É preciso dar o mínimo de estrutura para que as pessoas se preparem. Os governos precisam fazer menos sobrevoos em áreas atingidas e agir mais em ações efetivas de prevenção.