Tragédias ambientais como as que se verificaram no Estado provocam diversos desdobramentos na saúde mental da população. A incidência cada vez mais recorrente de eventos como temporais, enchentes, incêndios, secas e temperaturas extremas e a necessidade de pensar o futuro do planeta pode gerar emoções como apreensão, tristeza, angústia e desesperança em algumas pessoas. Essa resposta psicológica é chamada de ecoansiedade – termo que já mobiliza alguns especialistas da área.
Ana Sfoggia, psiquiatra do Hospital São Lucas e coordenadora de saúde global da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que a expressão ecoansiedade surgiu em 2017, cunhado pela Associação de Psicologia dos Estados Unidos e pela ONG ecoAmerica.
— Trata-se do medo crônico de uma catástrofe ambiental, de algo muito ruim que está acontecendo com o meio ambiente e vai trazer algum risco para as futuras gerações. A partir disso, apareceram outros conceitos, como ansiedade climática, ecoluto e solastalgia — comenta.
De acordo com a professora, a solastalgia afeta pessoas que estão diretamente ligadas ao ambiente que sofreu com algum evento climático extremo, como aquelas que perderam suas casas nas enchentes. Até esta quinta-feira (16), o RS tinha 538 mil pessoas desalojadas, sendo 77 mil em abrigos.
Já os outros termos estão na interface das "emoções climáticas”: aqueles que passam por isso relatam enfrentar sensações como confusão, desemparo, irritabilidade, frustração, raiva e desesperança.
No entanto, Ana ressalta que esses termos não são diagnósticos clínicos, psicológicos ou psiquiátricos. Também aponta que, quando não limitam a funcionalidade das pessoas no trabalho, na escola e nas relações interpessoais, essa ansiedade pode levar a uma mudança de hábitos e a ações que ajudem o planeta e diminuam as sensações ruins:
— Talvez, no futuro, venha a ser classificado como uma doença específica, mas, por enquanto, não. Até porque acreditamos que a ansiedade pode ser uma coisa boa, já que motiva a pessoa a fazer alguma coisa. A questão é quando isso passa do limite e paralisa as pessoas.
Como se manifesta
Nina Reckziegel, psicóloga e integrante do movimento Eco pelo Clima, acrescenta que os sintomas da ecoansiedade são os mesmos do transtorno de ansiedade generalizada. A nomenclatura se refere muito mais às motivações dos sentimentos – nesse caso, a principal está relacionada à preocupação com o futuro do planeta. Ela aponta, contudo, que esses termos são novos como objeto de estudo e que ainda não existe uma padronização para a definição de cada um deles.
— Não é um diagnóstico, mas é interessante que seja utilizado para que as pessoas saibam que existe e para que se tenham dados. Também é importante para dar nome aos sentimentos que estão relacionadas à crise climática. Muitas vezes, as sensações são percebidas, mas não são atreladas ao meio ambiente — afirma.
Futuro e coletividade
Conforme a psicóloga, novas gerações e populações mais afetadas por eventos climáticos costumam ser aquelas que mais enfrentam esses sentimentos. Ana destaca, no entanto, que a ecoansiedade pode afetar pessoas de qualquer idade, já que as mudanças climáticas impactam a saúde de todos.
— Angústia, ideia de ruminação, aflição, tristeza, preocupações exageradas, catastrofismo e, às vezes, medo da morte iminente são algumas das definições relacionadas à ecoansiedade — detalha Nina.
O uso dos termos também serve para conscientizar os profissionais de saúde mental de que, cada vez mais, as pessoas poderão procurar ajuda para lidar com essas emoções ou falarão sobre questões climáticas durante as consultas, enfatiza Ana. E a primeira recomendação ao deparar com um paciente lidando com esse tipo de questão é oferecer o acolhimento necessário.
— Os profissionais têm que entender que é real e não podem atacar a percepção das pessoas, porque elas estão vivendo as ondas de calor e as enchentes. Não pode dizer que não está acontecendo — alerta a psiquiatra.
Mas ainda não se sabe bem como lidar com essas sensações de forma terapêutica, ressalta Nina:
— Esse tipo de angústia fala de uma realidade e a solução não é tratar a angústia por si só ou diminuir os sentimentos de ansiedade com remédios. Mas sim dar espaço para falar como o aquecimento global é um fenômeno social que precisa ser mitigado. Não dá só para tratar individualmente. Acho que é um problema social que tem que ser visto como tal.
Abordagem
De acordo com a psicóloga, há vários tipos de psicoterapia e, dentro de um deles, existem três formas de enfrentamento: baseado na emoção, nos problemas e no significado. O primeiro deles refere-se a ajudar o paciente a lidar com o sentimento para que não se sinta tão mal, tirando o foco do problema. Nina salienta que esse não é muito duradouro quando se trata das sensações relacionadas aos fenômenos climáticos, porque a motivação continua existindo.
Dar espaço para falar como o aquecimento global é um fenômeno social que precisa ser mitigado. Não dá só para tratar individualmente. Acho que é um problema social que tem que ser visto como tal.
NINA RECKZIEGEL
psicóloga e integrante do movimento Eco pelo Clima
Já o enfrentamento baseado nos problemas costuma ter uma ação mais duradoura, porque envolve focar na questão a ser resolvida e encontrar formas práticas de resolvê-la. Mas, na ecoansiedade, isso pode aumentar as sensações ruins, pois surge o sentimento de impotência, já que a resolução vai além da capacidade dos indivíduos.
— O enfrentamento baseado no significado envolve encontrar formas de lidar com as situações, a partir dos seus próprios valores e do que acredita. Por exemplo, mudar o estilo de vida, se envolver em causas políticas, mudar a forma de se relacionar com o meio ambiente e coletivizar o problema, compartilhando o sofrimento e vendo o que é possível fazer ou não — esclarece Nina.
Ana acrescenta que, no Hospital São Lucas, as equipes pesquisam essas emoções e propõe alternativas para transformá-las em ações de preservação da saúde mental das pessoas e do planeta. Aponta ainda que iniciativas individuais diárias e ações coletivas em grupos e comunidades podem ajudar a aliviar o sofrimento.
— Pesquisas já comprovam que se envolver em atitudes que possam ajudar a minimizar o impacto das mudanças climáticas pode diminuir a ansiedade. E fazer algo coletivo é ainda melhor para a redução das emoções climáticas e dos sintomas de ansiedade. Esse envolvimento e a consciência de que fazemos parte da natureza e podemos contribuir para o equilíbrio do planeta fazem diferença na manutenção da esperança — finaliza Ana.