Um grupo de entidades de defesa do meio ambiente busca, por via judicial, garantir a decretação de um estado de "emergência climática" no Rio Grande do Sul em razão dos sucessivos desastres provocados por fenômenos como as recentes inundações.
A busca de uma liminar para garantir a medida em caráter de urgência foi negada, e agora se aguarda decisão colegiada da Justiça Federal sobre o mérito da solicitação. Além de tentar a declaração de emergência, que poderia ter efeitos práticos como facilitar o acesso a recursos para atender as consequências do mau tempo, os autores da ação pedem a imposição de uma série de medidas aos governos estadual e federal como a restrição de atividades ligadas ao carvão por considerá-lo poluente. No começo deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a cogitar a declaração de "emergência climática permanente" em cerca de mil municípios brasileiros considerados mais suscetíveis às intempéries, mas a ideia não se concretizou.
A ação civil pública foi apresentada em julho por três entidades: Instituto Preservar, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e Núcleo Amigos da Terra — Brasil. A advogada Marina Dermmam, representante das organizações, afirma que um dos principais objetivos da declaração é simbólico e procura chamar atenção para os riscos crescentes provocados pelas mudanças no clima. Mas a medida também poderia resultar em ações concretas, a exemplo da classificação de excepcionalidade por outras razões como a emergência em saúde pública que permaneceu em vigor no país durante o período mais agudo da pandemia de coronavírus e reduziu a burocracia para repasses de verbas e aquisições de insumos.
— A decretação de emergência climática, além da questão simbólica, reconhece que há urgência em se cumprir com obrigações e evita contingenciamentos orçamentários, por exemplo — argumenta Marina.
Quando foi cogitado pelo governo federal, o plano de decretar "emergência climática permanente" em 1.038 cidades tinha intenção de facilitar a adoção de "ações continuadas" nesses locais, desde análises de solo a trabalhos de drenagem e assistência social. Esse tipo de categorização também costuma permitir contratações de serviços e compras com dispensa de licitação.
Para aumentar a transparência e reduzir o risco de desvios de verba, a ministra chegou a sugerir a criação de uma estrutura permanente responsável por monitorar a aplicação dos recursos públicos. GZH questionou o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima sobre o estágio atual dessa possibilidade, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Outros lugares do mundo já reconheceram o status de urgência, em níveis municipal, estadual ou nacional, mas muitas vezes com resultado mais simbólico do que prático. Em 2019, por exemplo, o Parlamento Europeu reconheceu o estado de emergência climática. A determinação, porém, não trazia obrigações legais e visava principalmente a aumentar a pressão sobre os agentes públicos de cada país para que adotassem medidas mais duras contra o aquecimento global.
No Brasil, no mesmo ano, a prefeitura de Recife adotou posicionamento semelhante. A declaração trouxe diretrizes gerais e determinou que políticas públicas ligadas a essa área deveriam priorizar as comunidades mais vulneráveis. O anúncio veio acompanhado pela divulgação de metas de descarbonização. Nos EUA, Nova York aprovou declaração equivalente, também com viés mais figurativo. O presidente Joe Biden vem sendo pressionado por grupos de ativistas a publicar um decreto mais duro em nível nacional, com a intenção de ampliar a autonomia do Executivo no combate à crise global. A ideia seria facilitar decisões como, eventualmente, suspender exportações de petróleo bruto ou interromper perfurações associadas a combustíveis fósseis sem depender do aval de outros poderes.
A ação civil gaúcha busca ainda a responsabilização dos governos estadual e federal pela falta de ações capazes de fazer frente às mudanças climáticas, além de medidas concretas como a apresentação, por parte da União, de um Plano de Transição Energética Justa para a redução de gases de efeito estufa pelas usinas termelétricas que utilizam carvão mineral, a suspensão de leilões para usinas termelétricas movidas a carvão no Estado, a suspensão e a não renovação do contrato de comercialização de energia elétrica para Candiota 3, entre outras medidas. Cobra ainda ajustes na composição e na atuação do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas para contar com mais representantes da sociedade civil e se tornar mais efetivo.
— Entendemos que há um modus operandi político no Estado pelo desmantelamento da legislação ambiental, sucateamento e aparelhamento dos órgãos de fiscalização do meio ambiente e da implementação de projetos com autolicenciamento ambiental. Por isso, requeremos que seja declarada situação de emergência climática, e que o Estado apresente em 60 dias um inventário estadual de emissões de gases de efeito estufa, atualizado, e um cronograma de implementação do Plano Estadual de Mudanças Climáticas — afirma o presidente da Agapan, Heverton Lacerda.
No despacho que rejeitou a concessão de liminar, o juiz federal Bruno Brum Ribas argumentou que "tais pretensões são demasiadamente amplas e com altos impactos econômicos, jurídicos, políticos e sociais para ser deferidas em tutela de urgência sem assegurar o contraditório dos demandados". Um recurso dos autores da ação para conseguir a tutela de urgência também acabou negado.
Governo do RS sustenta que pauta climática é "central"
O governo gaúcho informa que acompanha o andamento da ação na Justiça Federal e rejeita alegações de que desconsidera obrigações ambientais. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), informa que "os argumentos da associação não foram acolhidos pelo judiciário, e a PGE acompanha a ação judicial".
Em relação às políticas voltadas para o setor, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) argumenta, por meio de nota, que "a pauta climática está entre os temas centrais desta gestão do governo do Rio Grande do Sul". Ente as ações recentes, a pasta destaca que o programa Avançar na Sustentabilidade, lançado em 2022, conta com "recursos inéditos para a área ambiental", com R$ 193 milhões. Desse valor, R$ 115 milhões são para projetos vinculados ao clima.
O Plano de Conformidade Climática, em fase final de contratação de uma consultoria que desenvolverá o projeto, "tem o objetivo de realizar diagnósticos territoriais, definir metas, elaborar planos para reduzir as emissões e promover estratégias de adaptação, até se chegar à uma legislação específica para a Política de Mudança do Clima". A Sema sustenta ainda que será lançado neste mês o edital de projeto de pesquisa para o monitoramento de gases do efeito estufa em campos e florestas, que contará com verbas em torno de R$ 15 milhões do Avançar e execução em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
Em relação ao Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas (FGMC), a secretaria informa que o órgão realizou a primeira reunião em 2022 e já teve cinco encontros.
— O fórum desempenha um papel fundamental na coordenação e na promoção de ações relacionadas às mudanças climáticas, envolvendo diversos atores e setores para enfrentar esse desafio global de maneira abrangente e eficaz — afirma a coordenadora da Assessoria do Clima da Sema, Daniela de Lara.