A tragédia que assolou o Rio Grande do Sul nesta semana continua trazendo dúvidas e reflexões a respeito das mudanças climáticas e a emergência ambiental.
GZH procurou especialistas em glaciologia, meteorologia e climatologia para entender a relação do Estado com as mudanças climáticas.
Confira algumas perguntas e respostas sobre o tema
As chuvaradas dos últimos meses no RS foram causadas especificamente pelas mudanças climáticas?
A avaliação dos especialistas consultados por GZH é de que elas foram amplificadas por uma combinação de elementos. Entre eles, está o aumento na temperatura média da atmosfera e de oceanos ao longo das últimas décadas em nível global, o que causa uma situação permanente de maior risco de eventos severos como grandes tempestades e chuvaradas em níveis acima do normal. As temperaturas mundiais bateram recordes históricos de calor no período de junho a agosto deste ano, durante o verão no Hemisfério Norte. No Rio Grande do Sul, em 40 anos, a temperatura média aumentou pouco mais de 1ºC, e o mar perto da costa gaúcha atualmente tem pontos com temperaturas até 4ºC além do esperado. Isso amplia a força das tempestades e a precipitação, além de outros fatores mais pontuais.
Eventos tão destrutivos e mortais como os de junho e setembro vão se repetir em pouco tempo?
É difícil prever com exatidão, mas o risco existe. Os fenômenos recentes foram amplificados por fatores circunstanciais como o El Niño – aquecimento das águas do Pacífico que não ocorre todos os anos, mas deve se manter pelos próximos meses e pode até ganhar mais força. As tragédias foram agravadas ainda pelo cenário global de aquecimento que não deve mudar de forma significativa nos próximos anos. Então, embora o perigo seja ainda maior durante a ocorrência do El Niño, mesmo sem ele há uma expectativa de médio e de longo prazo de que tempestades e chuvas torrenciais ocorram com maior frequência e intensidade no Estado – o que pode elevar as cifras de estragos e de vítimas e exige ações imediatas de mitigação e outras de mais longo prazo buscando evitar a exposição de populações a riscos.
Há ligação entre o que vem ocorrendo no RS com fenômenos em outras partes do planeta, como ondas de calor e enchentes?
Na avaliação majoritária dos especialistas em clima, sim. As mudanças climáticas tendem a intensificar todo tipo de fenômeno em nível global por duas razões principais: o aquecimento da atmosfera e dos oceanos. Isso resulta em ondas de calor mais fortes, como as registradas recentemente na Europa e nos Estados Unidos (onde um incêndio florestal varreu o Havaí e se tornou o mais mortal em pelo menos um século), secas ou enxurradas a exemplo do que aconteceu nas últimas semanas em países europeus como Espanha e Grécia, entre outros episódios. O novo padrão climático mundial aumenta o risco inclusive de ondas de frio mais duras, com temperaturas mais baixas do que o normal, ainda que com durações mais curtas. Os Estados Unidos testemunharam grandes nevascas no final do ano passado.
Adotar ações individuais sustentáveis é suficiente para reverter o cenário de crise climática?
Infelizmente, não, embora também sejam importantes e necessárias — a exemplo de descartar corretamente o lixo, economizar energia ou evitar queima de combustível fóssil reduzindo o uso do automóvel, por exemplo. Mas, na avaliação de especialistas, a reversão do aquecimento global testemunhado nas últimas décadas exige também mudanças nas matrizes de geração energética e políticas públicas de grande alcance capazes de provocar cortes substanciais em emissões de carbono na atmosfera. Isso exige o engajamento de grandes empresas e de governos, principalmente os de grandes economias poluidoras como China, Estados Unidos e na União Europeia.
O que governos e organismos internacionais estão fazendo para amenizar o cenário atual?
Governos de países como Estados Unidos, China e europeus estão colocando em prática medidas para reduzir emissões de carbono, mas o ritmo de implementação e a escala das ações ainda são consideradas "insuficientes" pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). A Europa está colocando em prática o chamado Pacto Verde, um conjunto de ações em setores como geração de energia, mobilidade e agropecuária que almeja transformar a Europa no primeiro continente a alcançar a neutralidade climática até 2050 (emitir gases na mesma medida em que os absorve).
Maior poluidor mundial, a China se comprometeu publicamente a descarbonizar sua economia — mas isso não ocorrerá tão cedo. O país oriental ainda está investindo em centrais elétricas de carvão, prevê um pico de emissão de carbono até 2030 e estabelece 2060 como meta para chegar à neutralidade. O IPCC destaca que seria preciso reduzir pela metade o lançamento de gases do efeito estufa até 2030 para limitar o aquecimento global a 1,5ºC além dos níveis pré-industriais.
Há bons exemplos de países no combate à crise climática?
O item referente a Planeta e Clima do "Good Country Index" (índice privado que procura avaliar o quanto cada país contribui em diferentes áreas para o mundo) destaca a Finlândia em primeiro lugar neste quesito por questões como baixas emissões de carbono e elevado percentual de energia renovável. Em 2021, a cidade de Lathi, de 120 mil habitantes, foi eleita "capital verde" da Europa. Polo industrial até os anos 1970, reduziu em 70% o lançamento de gases poluentes: o carvão foi abandonado em 2019, e 99% do lixo doméstico é reciclado. O objetivo é atingir a neutralidade climática até 2025.
Já o Reino Unido conseguiu reduzir em 45% a emissão de gases ao longo de 30 anos. O plano para manter o ritmo inclui estímulo a veículos elétricos, embalagens ecológicas, edifícios com menor consumo de energia e reflorestamento, entre outros pontos. O Brasil se destaca por contar com uma matriz energética com 83% de fontes renováveis (três vezes acima da média mundial), mas ainda luta para conter o desmatamento.
Fontes: glaciologista Jefferson Cardia Simões (UFRGS), climatologistas Francisco Eliseu Aquino (UFRGS) e Lincoln Alves (Inpe), professora de meteorologia Eliana Klering (UFPel) e meteorologista Danielle Barros (Inmet)