A cheia do Rio Taquari, no ponto de monitoramento no município de Lajeado, já pode ser considerada pelo menos a segunda maior da história desta bacia. A informação é do engenheiro hidrólogo Franco Buffon, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Já a quantidade de mortos por desastres naturais no Rio Grande do Sul é considerada a maior das últimas quatro décadas, conforme o governo estadual (veja detalhes no final desta reportagem).
Os níveis do atual fenômeno ficaram apenas 47 centímetros abaixo da maior enchente do Rio Taquari, o que ocorreu em 1941. Naquele ano, as águas atingiram a marca de 29m92cm, o que está registrado pela prefeitura de Lajeado na parede de uma indústria na área urbana da cidade.
Essa régua manual (convencional) em Lajeado, na cheia atual, marcou 29m45cm. Depois, passou a baixar. Este fenômeno de 2023 superou em mais de dois metros o ciclone-bomba de julho de 2020, quando o Rio Taquari atingiu, novamente na referência de Lajeado, 27m39cm, o que era o segundo maior nível histórico até então.
O CPRM está se baseando pela régua manual porque as suas estações automáticas que fazem medições em diversos municípios da bacia do Rio Taquari foram destruídas pela força da água.
— A enchente foi tão violenta que destruiu nossos equipamentos de monitoramento em Muçum, Estrela, Encantado. O que já dá para confirmar é que, no ponto de Lajeado, é a segunda maior da história — diz Buffon, que é gerente de hidrologia e gestão territorial da CPRM na Superintendência Regional de Porto Alegre.
O especialista informa que será necessário fazer um trabalho de campo em outros municípios da bacia, como Muçum e Encantado, para medir o nível de subida do Rio Taquari. Como os aparelhos foram danificados, isso terá de ser feito a partir da identificação de marcas d’água nas paredes de imóveis. Em aspectos básicos, Buffon explica que Muçum e Encantado são mais próximos das nascentes do Rio Taquari, nas regiões de Passo Fundo, Vacaria e Cambará do Sul. Por isso, não se descarta que a análise de campo indique que o atual fenômeno superou o de 1941.
— Se em Lajeado foi a segunda maior da história, é possível que nos demais municípios da região tenha sido a maior, mas só o trabalho de campo para confirmar. Nos municípios próximos das nascentes, a água desce dos morros com mais velocidade. Por que em Muçum foi tão violento? A energia de escoamento que desce dos morros é bastante forte e se torna mais destrutiva — diz Buffon.
Combinação de velocidade e intesidade das águas supreendeu
Com data de 5 de setembro, às 6h, o último boletim de monitoramento do CPRM para a estação de monitoramento do Rio Taquari entre Lajeado e Estrela mostra que, até a meia-noite de segunda-feira (4), o nível estava em 13 metros. A partir da madrugada de terça-feira (5), ele passou a subir rapidamente, alcançando 26m81cm, mais do que o dobro, em uma janela pouco superior a 24 horas. O volume seguiria subindo, até superar os 29 metros anotados na régua manual. A cota de inundação, conforme o gráfico do CPRM, é atingida com 19 metros entre Estrela e Lajeado. Isso significa que o nível de inundação, neste ponto de medição, foi ultrapassado em mais de 10 metros.
— A gente pode dizer que foi no limiar entre a inundação brusca e a gradual. Esse evento no Taquari pegou muita gente de surpresa pela rapidez com que subiu. E ocorreu na madrugada de segunda para terça. O pico da cheia ocorreu por volta das 13h de terça — afirma Fernando Dornelles, professor do Departamento de Hidromecânica e Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS).
O docente avalia que a intempérie de 2023 foi semelhante à que segue como maior da história até o momento.
— Na cheia de 1941, tivemos 35 dias de chuvas persistentes. Foi um acumulado na ordem de 900 milímetros. Agora, chegamos em nível de magnitude semelhante com 200 a 300 milímetros que caíram de forma muito concentrada na parte alta da bacia do Rio Taquari/Antas — destaca Dornelles.
Ele comenta que, recentemente, foi procurado na UFRGS por servidores públicos de Estrela que pretendiam buscar soluções para as enchentes na região. Os fenômenos costumam ocorrer com certa frequência, mas não na brutalidade registrada neste ano.
— Sugeri um estudo de engenharia para planejar medidas de proteção às inundações, desde zoneamentos até diques. É uma ferramenta primordial para o ordenamento urbano, para o município saber onde ele tem de proteger e evitar adensamento (populacional) — avalia Dornelles.
Ele salienta que esses estudos precisam ser feitos de forma conjunta entre municípios, regiões e Estado, já que intervenções em um ponto geográfico causam impactos em outros municípios.
Já na Bacia do Rio Caí, a enchente não ficou entre as 10 maiores da história. Conforme o CPRM, a maior cheia do Caí foi registrada em Montenegro, também em 1941, quando a água alcançou 9m20cm. No fenômeno atual, o curso atingiu 8m19cm.
Desde 1980 não se via tantos óbitos por desastre natural no RS
Com 37 mortes registradas até as 21h de quarta-feira (6), a maioria delas no Vale do Taquari, as cheias de setembro de 2023 são o desastre natural com o maior número de óbitos desde 1980. A conclusão é sustentada por publicação oficial do governo do Estado do Rio Grande do Sul em 20 de junho de 2023. Na ocasião, o Palácio Piratini informou que o ciclone extratropical registrado naquele mês havia causado 16 óbitos, o maior número em quatro décadas. A quantidade de mortes das cheias de setembro, portanto, já chega ao dobro do desastre anterior — e o indicador desta tragédia ainda pode subir.
Para chegar a esse ranking, o Piratini usou como fonte uma pesquisa de Bernadete Weber Reckziegel, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apresentada em 2007. A pesquisadora fez um levantamento de desastres naturais e suas consequências no Estado entre 1980 e 2005.
Em novembro de 2022, a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) lançou um mapeamento dos desastres naturais, mas as informações sobre mortos e feridos nos fenômenos correspondem apenas ao período entre 2017 e 2021.
Ou seja, é preciso considerar que há certa escassez de estatística oficial para catástrofes no Rio Grande do Sul.
Registros de jornais apontam que, em setembro de 1959, chuvas torrenciais, enchentes e deslizamentos de terra deixaram 94 mortos no Vale do Rio Pardo. Essa seria a maior tragédia do Estado no quesito perdas de vidas humanas em desastres naturais.
Veja os níveis alcançados pelo Rio Taquari em Lajeado
- 1941 - 29m92cm
- setembro 2023 - 29m45cm
- julho de 2020 - 27m39cm
- cota de inundação entre Lajeado e Estrela - 19 metros