Uma correnteza barrenta e irrefreável devastou a pequena Muçum, município de 4,9 mil habitantes do Vale do Taquari e epicentro do maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul. Em poucas horas, entre a tarde e o anoitecer de segunda-feira (4), o Rio Taquari transbordou, subindo 28,90 metros acima do seu leito normal.
Acostumados a enchentes, os moradores foram surpreendidos não pela chegada da água, mas pela fúria assassina que causou pelo menos 14 mortes e deixou dezenas de desaparecidos.
A inundação arrastou carros, casas, postes de energia elétrica, galpões, depósitos e pavilhões. São raras as construções intactas. Lojas tiveram as fachadas derrubadas, telhados caídos e móveis revirados.
Há de tudo preso à fiação elétrica, no alto dos postes, desde bombonas de água a pedaços de madeira, lonas e peças de vestiário. Nos telhados que permaneceram sobre as casas, há buracos feitos pelos próprios moradores em fuga, atrás de socorro no ponto mais alto de cada imóvel.
Na Rua Taquari, costeira ao rio, até os paralelepípedos do calçamento foram arrancados. Pelo menos oito casas simplesmente desapareceram, arrastadas pela água, deixando apenas os alicerces como lembrança do que um dia foi o lar de uma família.
— Essa é a quarta enchente que eu pego aqui, então estava tranquilo. Mas a água subiu muito rápido. Tirei o que consegui numa Kombi e na Parati e saí fincado, com a água já batendo nos joelhos — conta o comerciante Marco Antônio Gomes, diante dos escombros que sobraram da própria casa, à beira do Taquari.
Duzentos metros adiante, a correnteza arrancou o teto, o piso e a parede traseira da casa da aposentada Lenita Bueno Prudêncio. Aos 87 anos, Lenita havia perdido o marido em novembro e o único filho, em maio. Nesta quarta-feira, soube que a enchente levou também sua única irmã, de 83 anos.
— Agora estou sozinha — chorava, amparada pela cuidadora Lucilene Bonetti, que a retirou do imóvel pouco antes da devastação.
No cemitério municipal, também situado na beira do rio, a destruição não poupou capelas, mausoléus e túmulos. Em meio aos entulhos deixados pela correnteza, havia pedaços de árvores, fiação elétrica e muito mármore quebrado, devassando sepulturas e deixando à mostra caixões e até mesmo restos humanos.
No bairro Fátima, o leito do Rio Taquari subiu a barranca, ganhando um novo curso sobre a Avenida Nossa Senhora de Fátima. O empresário Fernando Viegas, 32 anos, amarrou o carro a um dos pilares da casa e viu, do segundo piso do sobrado, a água arrastar uma olaria, uma madeireira, a casa vizinha e a da frente, do outro lado da rua.
— A água só não chegou ao segundo piso porque estamos num barranco. Mas a casa tremia toda. Aqui na frente parecia um oceano — lembra Viegas.
Sem energia elétrica, sem água, sem sinal de telefonia e de internet, os sobreviventes passaram a quarta-feira limpando as casas e desobstruindo ruas. Na frente de cada terreno, os moradores espalhavam o que não havia sido arrastado pela correnteza, separando os itens que ainda podem ser reaproveitados. Durante a tarde, começaram a chegar doações, sobretudo mantimentos e água. Com a liberação dos quatro acessos que haviam sido fechados pela inundação, chegaram também muitos curiosos de cidades próximas, atrapalhando o fluxo dos veículos de limpeza e recuperação das vias.
— Não venham. Nao é ponto turístico — orientou o coronel Douglas Soares, subcomandante-geral da Brigada Militar.