Uma cidade com 80 mil habitantes, localizada na região central do Estado, é exemplo de atuação na Defesa Civil no Brasil. O trabalho realizado em Cachoeira do Sul foi destacado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional como uma das 27 ações de boas práticas.
As iniciativas foram selecionadas por meio de edital e se destacam por serem de baixo custo, facilmente replicáveis e demonstrarem resultados consistentes e inovadores. O Programa Cachoeira do Sul Resiliente chamou a atenção por apresentar ações educacionais e de remoções preventivas, além da montagem de estoque emergencial para as famílias que precisaram sair de suas casas por causa da cheia do Rio Jacuí.
Cachoeira do Sul é um dos 821 municípios brasileiros prioritários para a gestão de risco conforme o Mapeamento de Riscos de Desastres, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. Está também na relação dos cincos municípios gaúchos mais afetados por inundações.
A mudança
Uma chuva de granizo, ocorrida em outubro de 2015, é identificada como a que fez a cidade pensar diferente. Na ocasião, a tempestade danificou milhares de casas, mas não registrou vítimas. Porém, após a entrega de lonas para as famílias atingidas, 57 pessoas deram entrada na emergência do hospital da cidade em razão de quedas de telhados, sendo que, em um dos casos, um homem acabou morrendo.
A parte financeira também foi investigada. Um cálculo divulgado pela Defesa Civil aponta que os desastres naturais causam prejuízos de R$ 45 milhões ao ano para a cidade, o que corresponde a 18% da receita corrente líquida do município. A cidade precisava reagir.
— Estudamos a cidade, transformando tudo o que acontece em dados, relatórios, projetos e buscamos recursos dentro do próprio município para estarmos aptos a dar uma resposta. A ajuda estadual e federal, quando vem, vem em forma de complemento. Não podemos ficar aguardando o recurso vir de Brasília, porque enquanto estamos aguardando, a população está sofrendo — destaca o superintendente Municipal de Proteção e Defesa Civil, Edson Júnior.
A partir de então, um processo dentro da cidade foi iniciado para que fosse possível fazer um estoque de telhas para oferecer aos moradores e evitar distribuir lonas. Dessa forma, se evitava uma necessidade dupla de proteger os bens das famílias atingidas.
Se há previsão de uma chuva de 100mm, por exemplo, as ações de prevenção são iniciadas. Alertas são divulgados para a imprensa. As redes sociais da Defesa Civil são abastecidas. Pelo WhatsApp, moradores cadastrados vão sendo informados sobre os níveis do Rio Jacuí. Se precisar haver remoção, as famílias já estão preparadas.
— É um trabalho de convencimento. Isso vem antes, durante o ano. É uma mudança cultural — informa o superintendente.
Há mais de 60 anos morando às margens do Jacuí, o policial militar da reserva e hoje pescador Hélio Pinto Barbosa, 71 anos, precisou sair de casa em duas oportunidades - em 2015 e em setembro deste ano. A água chegou a 4 metros de altura, atingindo o segundo andar da sua residência
— Se der aquela chuva continuada, de dois a três dias, a água vai invadir. Demorei uma semana pra voltar pra casa — lembra ele.
Convencimento
No bairro Cristo Rei, a Defesa Civil precisou exercer a força do convencimento. As famílias tinham resistência em deixar suas casas sempre que havia inundação. Elas chegaram a construir suas moradias mais altas, a fim de a água não atingir os utensílios domésticos. Porém, quando a água chegava, elas só podiam serem removidas de barco. Após muita conversa, a aceitação foi sendo maior. Em setembro, 167 famílias foram transferidas para abrigos. O rio atingiu 25,55 metros. O normal dele é 18 metros.
— É um trabalho de convencimento, conscientização e mudança cultural para a importância do tema e da necessidade do município ter uma estrutura mínima de referência em proteção e defesa civil. Além dos gestores estarem preparados, devem multiplicar essa cultura à população. Assim, teremos uma comunidade resiliente — avalia o coordenador regional de proteção e subchefe adjunto da Defesa Civil Estadual, coronel Jacob Pinton.
Simulação
No mapeamento feito na cidade, a Defesa Civil identificou que não chegaria a tempo de atender as 60 pessoas que moram nas proximidades da Barragem do Capané, caso ela venha a romper. A região fica em área de estrada de chão batido, distante 30 quilômetros do centro do município. Dessa forma, as famílias foram treinadas a buscarem pontos seguros, identificados por placas. Essa evacuação precisa ocorrer entre cinco e 40 minutos, dependendo da área onde os moradores estão situados em relação à barragem.
Nos pontos seguros, num terreno do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a Defesa Civil já tem mapeada as áreas onde serão os abrigos, o atendimento de saúde, dos Bombeiros e do Exército, por exemplo.
Orçamento
O orçamento é enxuto. Para 2023, por exemplo, os gastos da Defesa Civil na cidade estão estimados em R$ 94,5 mil. Os salários dos cinco servidores não estão contabilizados neste cálculo, pois eles já eram servidores da prefeitura antes de a Defesa Civil ter virado uma superintendência.
Os recursos que fazem a estrutura ser mantida vem do caixa da prefeitura, de emendas parlamentares destinadas por vereadores da cidade e de doações de empresas parceiras. Com o dinheiro, são comprados kits de higiene e limpeza, cestas básicas, telhas e até uma bolsa que armazena 6 mil litros de água, caso o caminhão-pipa estrague.
Resultados
De 2012 a 2017, a cidade teve três ocorrências de tempestade, granizo e vendaval. Em todos os casos, foi decretada situação de emergência. Nestas ocasiões, a prefeitura se cadastra para buscar verbas dos governos federal e estadual a fim de que seja reconstruído o que foi perdido. É comum que os recursos cheguem após meses de espera.
Entre 2019 e 2023, o município contabilizou outros 11 eventos climáticos. Não foi necessário decretar situação de anormalidade. Todas as ocorrências foram atendidas com recursos e materiais do estoque estratégico da Defesa Civil.
Baixo custo
O imóvel onde funciona a Defesa Civil é de propriedade da prefeitura. Ele estava abandonado e foi recuperado com investimento de R$ 34 mil, com mobiliário doado pela Advocacia-Geral da União e de empresas. O veículo que transporta os equipamentos da equipe é uma antiga ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que não servia mais para atendimento de pacientes e foi doada para a Defesa Civil. O carro foi apelidado carinhosamente pelos servidores de Samuzão.
Destaque nacional
Em 17 de outubro, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional divulgou as 27 ações de boas práticas em defesa civil no Brasil. Destes trabalhos, oito estão em Minas Gerais e três em Santa Catarina, Estados que se destacam com o maior número de boas práticas.