Caso as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, sejam postas em prática, o combate à mudança climática será prioridade do governo federal a partir do ano que vem. A questão impõe desafios: a transição para uma "economia verde", com baixa produção de gás carbônico, provocará mudanças na economia, no trabalho e mesmo no cotidiano dos brasileiros.
A agricultura brasileira, carro-chefe da economia, tem sido associada à agressão ao ambiente, mas é um erro demonizá-la, defende a agrônoma Walkyria Scivittaro, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Clima Temperado, de Pelotas. Ela afirma que o agro une sustentabilidade e eficiência — a atenção deve estar em quem não se preocupa com boas práticas ambientais.
— Não há mais aquela agricultura extrativista ou nômade, de estragar uma área, ir para outra e deixar a propriedade se recuperando por anos. O produtor tem essa preocupação com o solo, os recursos naturais são da propriedade dele, é de onde ele tira o próprio sustento — comenta Scivittaro.
Especialistas apontam que já estão à disposição do agronegócio brasileiro técnicas sustentáveis de manejo do solo e da pecuária, desenvolvidas, inclusive, pela Embrapa. O desafio é popularizá-las.
— Na agricultura, há um cardápio bem definido de medidas desenvolvidas por demanda de mercado, desde o plantio direto até a integração lavoura-pecuária-floresta. Em contrapartida, a pecuária feita pelos menores, em geral de baixa produtividade, não está necessariamente conectada às melhores práticas. Para que passe a estar, precisaremos de políticas focalizadas. Quando falamos de o setor contribuir para a economia sem afetar o meio ambiente, temos de pensar que a agricultura é afetada pela mudança no clima, e não só afeta — defende Natalie Unterstell, administradora formada em Harvard e presidente da think tank (instituições que desempenham papel de advogados para políticas públicas) ambiental Instituto Talanoa.
Leia aqui a primeira desta reportagem:
Para o engenheiro agrônomo Jorge Schafhauser, da Embrapa Clima Temperado de Pelotas, o debate da sustentabilidade na pecuária deve levar em conta mudanças nos cálculos sobre emissões de carbono do setor. Ele critica a análise do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão da ONU, apontando o protagonismo da pecuária nas emissões de carbono.
— Quando você faz o cálculo da emissão dos bovinos, chega à conclusão de que é um grande emissor, causa impacto muito grande nos gases de estufa, mas, quando se considera o ambiente da criação, você tem de abater das emissões o quanto de carbono a pastagem sequestra. E isso o IPCC não considera — explica.
Schafhauser diz que o uso da integração lavoura-pecuária-floresta é uma estratégia que ajudou o país a desenvolver práticas sustentáveis nas últimas décadas. A abordagem é baseada no uso de diferentes sistemas agrícolas e pecuários dentro de uma mesma área.
Isso contribui para recuperar áreas de pastagens degradadas e ainda insere diferentes plantios, como grãos, fibras, carne, leite e agroenergia, o que melhora a fertilidade do solo e incrementa renda ao longo do ano. Tais abordagens são conhecidas no país, mas, em certos contextos, falta conhecimento para aplicação, diz o pesquisador da Embrapa:
— Muitos produtores fazem uso equivocado das técnicas. Eles colocam em prática, mas sem uma assistência qualificada, não da melhor forma. Isso não dá resultado e o produtor desacredita, diz que a técnica não funciona e a abandona. A assistência técnica oficial praticamente inexiste, a Embrapa não tem capilaridade para fazer isso — comenta Schafhauser.
Ainda assim, de forma geral, o pesquisador entende que o Brasil tem se destacado em práticas que respeitam o meio ambiente, tanto na agricultura quanto na pecuária. Ele defende que os brasileiros têm desenvolvido meios sustentáveis de produção que devem inspirar outras nações.
— Técnicas de integração lavoura-pecuária não são identificadas em outros países. O plantio direto na palha, que causou uma revolução na agricultura, é uma coisa nossa. Em termos de tecnologia de integração lavoura-pecuária, preservação de matas ciliares e proteção de solo, contenção de erosão, somos exemplos — diz.
Em termos de tecnologia de integração lavoura-pecuária, preservação de matas ciliares e proteção de solo, contenção de erosão, somos exemplos.
JORGE SCHAFHAUSER
Engenheiro agrônomo da Embrapa Clima Temperado
Uma das propriedades que integram lavoura e pecuária é a de Fernando Rechsteiner, 50 anos, localizada no 4º Distrito de Pelotas, no sul do Estado. O produtor diz que a técnica foi a responsável por melhorar a qualidade do solo e conservar a qualidade dos mananciais hídricos. Além do impacto positivo no meio ambiente, Rechsteiner ressalta que a integração aumentou a produção de arroz em 20%.
— É um sistema altamente sustentável, tanto na questão ambiental quanto econômica. Essa conjugação é fundamental para que o negócio se mantenha. Só vou ter sustentabilidade econômica do meu negócio se a forma como eu produzo não agredir o meio ambiente, o meu solo, os mananciais — afirma.
O produtor faz um histórico da região: em décadas anteriores, a área onde está sua propriedade era focada em lavouras de arroz, o que degradou o solo e causou redução na produtividade nas fazendas. Nos últimos anos, os agricultores têm cultivado soja e, mais recentemente, milho, além de inserir a pecuária na atividade. Essa mudança foi capaz de "mudar a realidade" das propriedades.
— A integração (lavoura-pecuária) ajuda na questão química do solo, contribui para a melhoria constante das nossas lavouras. É o sistema preponderante na região, porque há um entendimento de que é o melhor, é o mais sustentável — diz Rechsteiner.
Ele usa a rotina em sua propriedade como exemplo do trabalho feito também por outros produtores na região: arroz e soja são cultivados no verão. Depois da colheita dos grãos, é implantada a pastagem de inverno, com gramíneas e leguminosas, que alimentam os animais da fazenda.
— Nós temos uma lavoura de grãos no verão e uma lavoura de carne no inverno — resume.
Carbono do bem
A agrônoma Walkyria Scivittaro, da Embrapa, cita que o mercado de créditos de carbono é outra opção capaz de motivar agricultores no desenvolvimento de práticas sustentáveis no campo.
Funciona assim: empresas com alto nível de emissão de carbono e poucas opções para reduzi-lo podem comprar "créditos" de concorrentes para se adequarem a metas ambientais. Cada empresa tem um limite para emitir gases que provocam o efeito estufa. A organização que emitir menos do que o limite fica com "créditos", que podem ser vendidos aos que ficaram acima do limite. O crédito de carbono significa que uma tonelada de gás carbônico (ou outros gases) deixou de ser emitida para a atmosfera.
O setor tem crescido nos últimos anos em todo o mundo, e é esperado que, até 2050, entre US$ 493 milhões a US$ 100 bilhões sejam movimentados nesse mercado, conforme estudo feito pela WayCarbon, empresa de consultoria em sustentabilidade.
— Muitos produtores nos procuram dizendo que não querem que a atividade produtiva dê dinheiro porque querem ganhar o lucro com os créditos de carbono. Essa é uma visão completamente distinta. Eles notam que a questão ambiental pode ser a maior fonte de renda — diz a pesquisadora Walkyria.
Quando o agronegócio abraça pautas ambientais, saem ganhando ambientalistas e produtores, que terão maior lucro e produtividade, argumenta o economista Mário Lewandowski, diretor de novos negócios da AGBI, gestora de investimentos especializada na recuperação de pastagens degradadas, destaca que o fazendeiro que anda de mãos dadas com o meio ambiente.
Ele cita que a transição para um "agroverde" exige investimento porque são necessários tecnologia e respeito a regras de compliance, mas que o movimento pode ser favorecido se o governo estruturar um mercado de sustentabilidade _ como o de créditos de carbono.
— Temos total capacidade de sermos tão rigorosos quanto países ricos. Muitas vezes, o agronegócio brasileiro se enxerga erroneamente como um mercado que poderá ser prejudicado pelo mercado de carbono. Mas a maioria dos agricultores não desmata. Esse agricultor não precisa ficar preocupado com um mercado de carbono, deveria incentivar, porque produzirá uma terceira safra para comercializar carbono no Brasil ou exportar — afirma Lewandowski.