Uma espécie de felino ameaçada de extinção foi encontrada na Base Aérea de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, durante uma pesquisa sobre fauna que estava em andamento na região. Trata-se de um gato-do-mato-pequeno, animal típico da América do Sul, cujo nome científico é Leopardus guttulus e que consta como vulnerável na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
O registro do gato-do-mato-pequeno faz parte de um estudo sobre biologia da conservação, realizado a partir de uma parceria firmada entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e a Universidade La Salle (Unilasalle), por meio de um Termo de Cooperação Técnica e Científica, em julho de 2019, com validade de dois anos. A área onde foi desenvolvida a pesquisa, chamada de Ala 3, possui mais de 800 hectares e abriga uma extensa área verde, sendo uma remanescente nativa em meio à região urbana de Canoas.
O registro inaugural do felino, que é o segundo menor da América do Sul e o primeiro do Brasil, tendo o tamanho de um gato doméstico pequeno, foi feito em agosto de 2020, após dois meses de monitoramento da área. O mamífero pesa de dois a três quilos e tem pelagem com manchas semelhantes às de uma onça-pintada.
Diego Floriano da Rocha, biólogo e aluno do Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais (PPGAIA) da Unilasalle, explica que a pesquisa faz parte do seu projeto de mestrado, que tinha como objetivo avaliar o estado de conservação das áreas verdes da região, a partir da presença dos mamíferos silvestres, que são bioindicadores das condições de ecossistemas naturais. Ele conta que escolheu seis pontos diferentes para instalar as armadilhas fotográficas, responsáveis pelos registros dos animais.
— Em determinado momento, quando estávamos monitorando um córrego, fizemos o registro do gato-do-mato-pequeno, que é uma espécie ameaçada no Rio Grande do Sul — relata.
Rocha afirma que o gato já apareceu outras vezes durante o estudo, em turnos, meses e lugares diferentes, inclusive em um ponto bem distante de onde foi localizado pela primeira vez — fato que sugere a presença de mais de um felino da espécie naquela região. No entanto, o biólogo esclarece que ainda não há como precisar quantos gatos existem na área.
A identificação do gato-do-mato-pequeno ocorre por meio do seu tamanho, enquanto a diferenciação se dá pelo formato e distribuição das manchas, que são o DNA desses animais, destaca Rocha. Assim, é possível saber se é o mesmo indivíduo aparecendo em diferentes locais ou outro:
— Quanto mais tempo a gente ficar com a pesquisa no local, mais chances teremos de definir o número de indivíduos dessa espécie, porque vamos ter o registro desses animais e conseguir comparar a pelagem, para então tentar definir o tamanho da população.
De acordo com Cristina Cademartori, orientadora do estudo e professora da Universidade La Salle, o animal aparece na categoria vulnerável em lista regional, nacional e mundial, e tem distribuição restrita à América do Sul, sendo encontrado no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, bem como no Nordeste da Argentina e do Paraguai. Ela sinaliza que espécies desse tipo são chamadas de neotropicais.
Presença de animais indica a qualidade da área
Além do gato-do-mato-pequeno, o estudo localizou outros animais silvestres no perímetro da Ala 3, como quati, gambá-de-orelha-branca, tatu-galinha, furão, lontra, graxaim-do-mato, mão-pelada e capivara. O registro do quati, que é outra espécie ameaçada de extinção no Estado, também é um dado importante do estudo, pois é incomum que eles apareçam em áreas desse tipo.
Cristina enfatiza que o gato-do-mato-pequeno e o quati são duas espécies extremamente dependentes de ecossistemas florestais, portanto, são bioindicadores da qualidade das áreas onde são registradas:
— O fato de termos registrado essas duas espécies ameaçadas em uma área no meio da matriz urbana nos mostra a importância desse local para a conservação da diversidade biológica, porque, apesar da intensa urbanização e do isolamento das áreas verdes, ainda há suporte em termos de recursos alimentares e de abrigos em alguns desses remanescentes.
Mata da base é preservada
O fragmento de mata da Base Aérea é preservado, cercado por muros e cercas que impedem o acesso da população humana. Rocha acredita que a riqueza de espécies encontrada na região está relacionada ao fato de o local não sofrer impactos das ações humanas.
— É realmente muito importante saber que existe essa espécie dentro da malha urbana e, se a área fosse aberta, ele (o gato) provavelmente não existiria mais e seria extinto regionalmente no município — opina.
A professora concorda que a restrição da entrada de pessoas no local contribui para a conservação da fauna, pois não há caça nem uma grande presença de animais domésticos que, quando soltos na natureza, causam impactos significativos para as espécies silvestres. No entanto, Cristina ressalta que não há como estimar se os animais correm algum tipo de risco no local, pois faltam estudos aprofundados em áreas urbanas, devido à insegurança do trabalho nessas regiões.
Os resultados do trabalho, segundo o biólogo, sugerem a necessidade de seguir conservando áreas como a da Base Aérea. A professora complementa enfatizando que esses registros mostram que a fauna ainda consegue sobreviver em algumas dessas regiões urbanas e que, se houver um trabalho de manejo, com medidas protetivas, é possível preservar a diversidade biológica que existia originalmente no local.
Produção: Jhully Costa