Com a presença de alguns dos principais líderes mundiais, mas não do presidente Jair Bolsonaro, a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu nesta segunda-feira (23) em Nova York uma Cúpula do Clima que foi marcada pela forte cobrança de ações concretas feita por adolescentes e jovens.
No evento, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou uma doação de US$ 500 milhões para a Amazônia e outras florestas tropicais e criticou a ausência do presidente brasileiro. Donald Trump, que não era esperado, fez uma aparição relâmpago. No início dos trabalhos, a ONU anunciou que 66 países assumiram o compromisso de alcançar a neutralidade das emissões de carbono até 2050.
O evento foi aberto, diante de cerca de 60 líderes mundiais pelo secretário-geral das Nações Unidas, o português Antonio Guterres.
— Estamos perdendo a corrida da emergência climática, mas ainda podemos vencê-la — disse ele.
Para a mesa de abertura, Guterres convidou um grupo de adolescentes e jovens que têm se mobilizado para lutar por medidas que impeçam um colapso decorrente do aquecimento global. Entre eles estavam a brasileira Paloma Costa Oliveira, 27 anos, coordenadora de clima da ONG Engajamundo, e a sueca Greta Thunberg, 16 anos, que se tornou conhecida pelas críticas severas a falta de ação dos adultos diante do risco climático e liderou uma greve global pelo clima que mobilizou milhões de pessoas na semana passada. Greta fez um discurso duro e emocionado:
— Você vêm até nós, os jovens, em busca de esperança. Como ousam? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias, mas eu sou uma sortuda. Pessoas estão sofrendo, pessoas estão morrendo, ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Eu não deveria estar aqui, deveria estar na escola, do outro lado do oceano. Mas os jovens estão começando a entender a traição de vocês.
Mais tarde, Greta e mais 15 crianças e adolescentes de diferentes partes do mundo, com a ajuda do escritório internacional de advocacia Hausfeld, apresentaram uma denúncia formal ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) contra cinco países signatários da Convenção dos Direitos da Criança: Brasil, França, Alemanha, Argentina e Turquia. Segundo o grupo de ativistas, a falta de iniciativas desses governos para conter a crise climática fere o direito das crianças à vida, à saúde e ao bem-estar econômico e, portanto, desrespeita os compromissos assumidos. O Comitê de Direitos das Crianças da ONU deverá investigar as supostas violações e depois fazer recomendações aos países.
Em reunião sobre a Amazônia, o governo francês anunciou que o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a ONG Conservação Internacional decidiram doar US$ 500 milhões (mais de R$ 2 bilhões) adicionais para o reflorestamento da Floresta Amazônica e de outras florestas tropicais. O Banco Mundial planeja estabelecer um programa, com Alemanha e França, para financiar projetos ligados à terra. Já o Banco Interamericano de Desenvolvimento financiará ações nos grandes Estados da Amazônia. A ONG americana Conservação Internacional apoiará projetos locais liderados por organizações não-governamentais, comunidades indígenas e empresas privadas. "Não se trata de questionar a soberania dos Estados, mas esses programas serão lançados independentemente da posição brasileira", informou a presidência francesa.
Diante da chanceler alemã, Angela Merkel, e dos líderes de Chile, Colômbia e Bolívia, o presidente francês, Emmanuel Macron, voltou a alfinetar Jair Bolsonaro, com quem está em conflito desde os recentes incêndios em território brasileiro. Ele fez uma referência à ausência do presidente do Brasil na Cúpula do Clima (Bolsonaro viajou ontem a Nova York, mas para participar da Assembleia Geral da ONU, que começa nesta terça-feira).
— Quais são os nossos riscos? Primeiro, o elefante na sala, ou melhor, o que não está aqui, o Brasil! Todo mundo me pergunta, como vamos fazer sem o Brasil? O Brasil é bem-vindo. Precisamos de uma manobra inclusiva, respeitosa com cada um. Espero que nos próximos meses tenhamos condições políticas para avançar — disse Macron.
O Brasil, que havia sido excluído da lista de discursos oficiais da Cúpula por não ter apresentado um compromisso para melhorar suas ações em relação ao clima, também não teve representante na reunião sobre a Amazônia. O governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), que preside o Consórcio Amazônia Legal, havia sido convidado, mas, segundo o jornal Folha de S. Paulo, teve seu discurso cancelado por pressão do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (a interferência foi negada pelo Itamaraty).
— É lamentável, porque queríamos que houvesse um representante brasileiro falando para o mundo sobre a Amazônia. É um debate necessário para a humanidade — disse Waldez à Folha.
O presidente dos Estados Unidos, que se tem mostrado cético em relação ao consenso científico sobre o aquecimento global e suas consequências catastróficas, apareceu de surpresa e acompanhou parte do discurso do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e a fala de Angela Merkel, saindo depois de uns poucos minutos. Na saída, ele esteve a poucos metros Greta Thunberg, mas ela foi mantida à distância por seguranças, para deixar o líder passar. Questionado por jornalistas brasileiros sobre a possibilidade de um encontro com Bolsonaro, Trump não confirmou:
— Ele é um bom homem — disse.
O principal objetivo da cúpula foi fazer os líderes mundiais revisarem seus compromissos de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, o que é considerado fundamental para amenizar o aquecimento global, reduzindo os efeitos que a mudança climática deve trazer nos próximos anos. Do Vaticano, o papa Francisco juntou-se a esse esforço e fez um apelo aos governantes, pedindo que "coloquem sua inteligência a serviço de outro modelo de progresso".