A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalização formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por jornalistas do Correio do Povo e do Estadão e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros seis veículos: AFP, Nexo, Piauí, Jornal do Commercio, Band e Folha.
Está fora de contexto a fotografia que circula nas redes sociais sobre suposta matança de baleias promovida pela Noruega. Segundo publicações localizadas pelo Comprova no Instagram e no Twitter, o país nórdico é “hipócrita” por se preocupar com o meio ambiente no Brasil enquanto promove a caça dos animais.
A foto em questão, na verdade, foi tirada em outubro de 2004 em Tórshavn, capital das Ilhas Faroé, território dinamarquês localizado no Atlântico Norte. A imagem foi publicada no Flickr do fotógrafo Jan Egil Kristiansen com o título “Grindadráp” (caçadas, no idioma feroês).
Esta verificação do Comprova investigou a origem e o contexto da foto divulgada nos perfis @direitaopressao, no Instagram, e @elzaaraujoyaho1, no Twitter.
Como verificamos
O Comprova utilizou ferramentas de busca reversa de imagem, como o Google Imagens e o TinEye, e consultou os arquivos do Wayback Machine, ferramenta que registra capturas de tela de sites na internet, e do Flickr.
A equipe também entrou em contato com o fotógrafo Jan Egil Kristiansen, responsável pelo clique da caçada nas Ilhas Faroé, e buscou informações no site oficial do governo do arquipélago e da Dinamarca.
‘Hipocrisia’
As postagens no Instagram e no Twitter destacam uma suposta “hipocrisia” da Noruega em criticar políticas ambientais brasileiras enquanto permite a caça de baleias em seu território. Para isso, utilizam uma fotografia de pescadores matando os animais em uma praia cuja água está manchada de sangue.
Diferentemente do que é informado pelas publicações que viralizaram nas redes sociais, a imagem não foi tirada na Noruega, e sim em um território da Dinamarca, no Atlântico Norte.
Por meio da ferramenta de busca reversa de imagem TinEye, que permite fazer buscas por imagens semelhantes publicadas na internet, o Comprova localizou uma publicação de 2009, atualmente fora do ar, no site BuzzFeed. Com auxílio da ferramenta Wayback Machine, que grava versões antigas de conteúdos publicados na internet, a equipe conseguiu reler o artigo, que também comentava sobre as caçadas de baleia nas Ilhas Faroé. Contudo, não havia menção ao responsável pelo registro.
A partir dessas informações, o Comprova filtrou resultados da busca reversa no Google Imagens para resultados que fizessem menção ao termo “Faroe Islands” e encontrou uma publicação no Flickr de uma mulher chamada Miriam Godet que creditava a imagem ao fotógrafo Jan Egil Kristiansen.
O post também continha um link que redirecionava para o perfil profissional do fotógrafo na rede social, onde a foto foi originalmente publicada. O álbum no qual a foto está inserida se chama “Grindadráp” (caçadas, no idioma feroês) e o clique foi feito no dia 09 de outubro de 2004 em Tórshavn, capital das Ilhas Faroé.
O Comprova, então, entrou em contato com Jan pelas redes sociais. Em mensagem via Facebook, ele reiterou as informações encontradas pela equipe. “Confirmo a data e o lugar nas Ilhas Faroé, que não fazem parte da Noruega desde 1814. Também gostaria de acrescentar que não vejo nada de errado em comer carne de baleia-piloto, e que a maioria dos noruegueses provavelmente concorda com isso”, escreveu. Ele, que atua como freelancer, ainda comentou que “tirou a foto por conta própria” e depois vendeu a diferentes veículos de comunicação.
A equipe também descobriu que a imagem está à venda pela agência GettyImages por valores entre US$175 a US$ 499.
Prática milenar
De acordo com o site do governo das Ilhas Faroé, “as formas locais e tradicionais de agricultura e caça, incluindo a caça costeira de baleias-piloto, permitiram às Ilhas Faroé manter um grau relativamente alto de autossuficiência na produção local de alimentos”. O texto ainda diz que “é considerado bom senso econômico e ambiental aproveitar ao máximo os recursos naturais que estão disponíveis localmente”.
Um hotsite do governo dedicado a esta prática afirma que “a condução, encalhe, matança e distribuição de baleias-piloto são totalmente regulamentadas por leis. As capturas são compartilhadas entre os participantes e a comunidade local”.
Caça a baleias na Noruega
Apesar da imagem compartilhada nas redes sociais não ter sido tirada na Noruega, a prática é comum no país. Conforme afirma o próprio governo, em seção de seu site, a baleação começou a funcionar novamente em 1993, depois de cinco anos parada. “Na Noruega, a caça às baleias sempre foi feita em combinação com a pesca tradicional. A baleeira norueguesa é sustentável e legal. A gestão de recursos da Noruega é baseada no princípio do uso sustentável dos recursos naturais. A colheita de recursos marinhos, incluindo baleias, é baseada em critérios científicos.”
O Comitê Científico da Comissão Internacional Baleeira (IWC), responsável pela conservação de baleias e regulamentação da caça, proibiu a caça comercial em todo o mundo. Noruega e Islândia não aderiram, mas informam o número de animais capturados. Anualmente, são estabelecidas quotas com base nos procedimentos desenvolvidos pelo IWC.
Em sua resposta ao Comprova, Jan ainda explicou a diferença entre a caça na Noruega e no arquipélago onde mora. “A baleação norueguesa ocorre em mar aberto, não nas praias como aqui nas Ilhas Faroé”, escreveu.
Repercussão nas redes
A publicação de @elzaaraujoyaho1 obteve 798 RTs e 1,5 mil curtidas. No Instagram, a publicação de @direitaopressao obteve 9.522 likes até o dia 20 de agosto.
O Estadão Verifica, parceiro do Comprova, e a Agência Lupa também desmentiram conteúdos semelhantes.
Contexto
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou no dia 17 de maio que parte dos projetos do Fundo Amazônia — iniciativa que capta doações não reembolsáveis da Noruega e da Alemanha para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento — apresentaram irregularidades após análise preliminar. Ele também afirmou que proporia a revisão de critérios de contratações.
A Embaixada da Noruega, que responde por 94% das doações, respondeu, em nota, não ter sido informada pelo governo sobre proposta de mudança no programa. Ainda, garantiu que estava satisfeita com a atual gestão, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e com a seleção de seus projetos em andamento.
Com a divulgação de dados que mostram aumento do desmatamento na Amazônia, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, anunciou em entrevista ao jornal “Tagesspiegel”, em 10 de agosto, que congelaria projetos de proteção florestal na Região Amazônica no valor de R$ 155 milhões de reais.
Um dia depois, Bolsonaro comentou a decisão e disse que a Alemanha “vai deixar de comprar à prestação a Amazônia”. No dia 14, o presidente deu uma sugestão aos europeus:
— Eu queria até mandar recado para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu 80 milhões de dólares pra Amazônia. Pega essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá está precisando muito mais do que aqui.
Antes, em 7 de agosto, o ministro Salles havia afirmado que a Noruega possui passivos ambientais e desqualificou as cobranças que o país tem feito às mudanças no Fundo.
— A Noruega é o país que explora petróleo no Ártico, eles caçam baleia. E colocam no Brasil essa carga toda, distorcendo a questão ambiental — declarou.
Dois dias depois, a nação nórdica emitiu nota para afirmar que “está comprometida a continuar com a gestão responsável, prudente e sustentável dos seus recursos petrolíferos”. A indústria petrolífera norueguesa, declarou, “é líder global em padrões de saúde, segurança e proteção ambiental”. Contudo, no dia 15, o ministro norueguês do Clima e Meio Ambiente, Ola Elvestuen, anunciou que o país suspendeu o repasse de 300 milhões de coroas norueguesas, o equivalente a R$ 133 milhões, para ações contra o desmatamento no Brasil.
De acordo com o jornal norueguês Dagens Næringsliv, Elvestuen considera que o Brasil quebrou o acordo para financiar medidas de desmatamento. Questionado sobre a decisão, Salles disse que as negociações sobre o destino do fundo ainda estão em andamento e que, por isso, vê como “natural” a decisão de reter repasses à iniciativa.
No domingo, 18, o presidente Jair Bolsonaro compartilhou vídeo em seu perfil no Twitter atribuindo à Noruega uma caça de baleias. As imagens, no entanto, foram feitas pela ONG Sea Shepherd UK, que desmentiu o uso incorreto das gravações e esclareceu que elas foram feitas nas Ilhas Faroé.