A abordagem é bem-humorada, mas o assunto é muito sério: vestidos como fósseis, representantes da Climate Action Network (CAN - Rede de Ações do Clima, em tradução livre) se reúnem próximos à entrada da Conferência do Clima da ONU por volta das 18h, ao fim de cada dia de negociações, para entregar um prêmio. Eles tentam, mas até agora ninguém quis subir ao palco para aceitar o troféu. É porque a "honraria" não tem nada de desejável: o título de "Fóssil do Dia" é dado a aqueles países ou organizações que têm contribuído especialmente pouco no combate às mudanças climáticas. E o Brasil, neste ano, foi um dos primeiros condecorados.
O troféu veio logo no segundo dia da 24ª Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP24), que está sendo realizada em Katowice, na Polônia. Na justificativa, os responsáveis pelo prêmio salientaram que o país virou "motivo de piada" internacional."O que aconteceu com você, Brasil? Berço da convenção do clima da ONU, outrora celebrado por seus espetaculares avanços na redução do desmatamento e mitigação do aquecimento global, virou motivo de piada entre negociadores em Katowice", explicou a CAN, ao conceder o indesejável prêmio.
A iniciativa começou em 1999 em Bonn, na Alemanha, e ultimamente tem ocorridos todos os dias nas duas semanas de duração de cada COP, o maior evento do mundo sobre a temática ambiental, promovido anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil já havia sido agraciado em outros anos. No título deste ano, que o país dividiu com a Arábia Saudita e o grupo de nações árabes por seu esforço em fazer retroceder as negociações envolvidas no objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, foram salientadas muitas razões políticas para a decisão. Entre elas, a decisão brasileira de não sediar a COP25, em 2019, e a ameaça, ventilada nas últimas semanas, de que o país abandonaria o Acordo de Paris, posteriormente relativizada — porém não descartada — pelo futuro ministro do Ambiente, Ricardo Salles.
— A minha tendência é dizer que nós não devemos deixar o acordo. Mas, por outro lado, isso também não significa que nós devemos aceitar toda e qualquer sanção, restrição e programa de maneira indiscutível. Todos os países têm que respeitar a autonomia brasileira para gerir seu território e decidir suas políticas do meio ambiente internamente — disse Salles, que foi indicado no domingo (9) por Jair Bolsonaro, em entrevista à Agência Reuters no início desta semana.
"E se você acha que isso é uma vergonha", continua a organização que concedeu o desonroso prêmio ao Brasil, "considere por um minuto o futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, um homem que vê Donald Trump como um exemplo a ser seguido e escreveu que as mudanças climáticas são parte de um trama marxista para transferir poder à China". A CAN ainda fez muitas críticas ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, questionando seus planos em relação à floresta amazônica: "ele prometeu acabar com o controle do desmatamento, negociar terras indígenas e até acabar com o Ministério do Meio Ambiente" — o que acabou não acontecendo. Outro destaque foi o crescimento do desmatamento na Amazônia: "entre agosto e novembro, as taxas de desmatamento subiram 32%, e um estudo recente estima que (o total) pode chegar a 25 mil quilômetros quadrados por ano, com emissões resultantes de 3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Isso é 'tchau' a 1,5°C", explicou a organização.
E esse não foi o único título informal recebido pelo Brasil na COP deste ano. Na quarta-feira (12), jovens brasileiros vinculados à ONG Engajamundo entregaram o prêmio "último que liga para o clima" ao atual ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte. "Não fez mais do que sua obrigação", lia-se em um cartaz erguido pelos manifestantes próximo do ministro, que em seu discurso na conferência ignorou os problemas do país na área e conclamou outros países a agirem no combate às mudanças climáticas.
Os países premiados com o Fóssil do Dia na COP24
- 1° dia - Polônia
- 2° dia - Brasil e Arábia Saudita
- 3° dia - Grupo de países árabes
- 4° dia - Alemanha e Suíça
- 5° dia - Estados Unidos
- 6° dia - Áustria
- 7° dia - Egito
- 8° dia - Austrália
* O repórter viajou à Polônia para a COP24 como integrante do Climate Change Media Partnership 2018, uma colaboração entre a Earth Journalism Network e a Stanley Foundation.