No início de uma semana decisiva para a validação do Acordo de Paris — um tratado mundial que tem o objetivo de reduzir o aquecimento global —, o diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, tenta se mostrar mais realista do que otimista ou pessimista. Isso enquanto não só o comprometimento global em relação ao combate às mudanças climáticas está em jogo, em meio à 24ª Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP24), que está sendo realizada em Katowice, na Polônia. Mas também enquanto o Brasil, em decisão tomada pelo governo de Michel Temer e corroborada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, recentemente anunciou não ter intenção de sediar a próxima conferência, a maior do mundo sobre o tema.
Nesta entrevista, concedida diretamente da sede do evento deste ano na Europa, Guimarães evita fazer previsões, mas declara a intenção de ver o Brasil seguindo um caminho de comprometimento com as discussões sobre o clima, área em que tem retrocedido nos últimos anos depois de ter assumido um papel de protagonista.
Há três anos à frente do Ipam, uma organização científica, não governamental, apartidária e sem fins lucrativos que desde 1995 trabalha pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia, ele diz ainda temer uma eventual retirada do Brasil do Acordo de Paris — algo que os Estados Unidos, na administração de Donald Trump, já afirmou ter intenção de fazer. E comenta a nomeação do advogado Ricardo Salles, apoiado por entidades ruralistas e investigado por fraude ambiental que comandará o Ministério do Meio Ambiente a partir de janeiro.
O que esperar da participação brasileira na COP24?
Historicamente, o Brasil tem um papel extremamente relevante, até de liderança, na convenção do clima como um todo. Por várias razões: é o sexto ou sétimo maior emissor (de poluentes) do mundo, então tem um peso muito grande; é um país que tem muita capacidade técnica, tanto em nível de governo quanto na sociedade e na ciência. O Brasil, entre 2003 e 2012, ao longo de mais ou menos 10 anos, foi o país que mais entregou resultados para a mitigação das mudanças climáticas no planeta. Muito em função da queda do desmatamento. Por todas essas razões — pela competência, pelo peso, pelo tamanho e pelos resultados atingidos em um passado recente —, a gente tem uma credibilidade muito grande, e essa credibilidade é o que tem permitido que a voz do Brasil seja ouvida e que, frequentemente, ajude a pautar efetivamente as negociações.
Como o instituto enxerga esse momento de transição de governo no país?
Não quero entrar no mérito se vai ser bom, se não vai ser bom... O governo acabou de ser montado. Qualquer coisa que eu falar sobre o que vai acontecer no futuro é futurologia, e essa especialidade, eu não tenho. Este é um momento de transição não só de governo, mas de linha ideológica, de propostas para o país, então talvez estejamos vivendo no nosso país a mudança mais radical de orientação política que já vivemos nos últimos 30 anos — talvez um paralelo mais recente seria do Sarney com o Collor, de mudança de linha. Isso pressupõe um reassentamento de forças e uma reorientação de muitas prioridades, o que eu acho absolutamente natural. Temos de tirar um pouco do medo e dos anseios: vamos descontaminar esse negócio e tentar analisar friamente o que vem pela frente. Temos que ser realistas nesse momento. Nosso país é grande, é competente tecnicamente, tem um histórico de bons relacionamentos internacionais, somos um país global e conectado com o planeta, o que é uma vantagem.
E o que esperar daqui para frente?
O primeiro país emissor do planeta, que são os Estados Unidos, já anunciou sua saída do Acordo de Paris. Se o primeiro país do mundo sai, o sexto ou sétimo país do mundo (o Brasil) sai também, tem um risco de criar um efeito dominó e ter uma desmoralização do Acordo de Paris.
A gente espera que isso seja mantido, que esses atributos que o Brasil construiu a tão duras penas ao longo das últimas décadas sejam mantidos no futuro. Para isso, permanecer no Acordo de Paris é vital. A gente continuar tendo rigor nos controles contra o desmatamento, na maneira de lidar com a questão socioambiental de maneira geral é extremamente importante. É fundamental dizer que isso não é importante para este grupo de interesse ou para aquele grupo, mas para o país. O que a gente espera do futuro governo é que esses compromissos sejam mantidos, para que possamos continuar crescendo como país e aproveitando as oportunidades que surgirem.
O que o senhor achou de o Brasil decidir não sediar a próxima Conferência do Clima da ONU (COP25)?
É uma decisão equivocada. Obviamente há um custo associado a organizar uma COP, tem uma responsabilidade que é posta para o país organizador, mas, por outro lado, com todo ônus vem um bônus: ao sediar uma COP, o país tem a oportunidade de organizar a agenda, de priorizar os debates, então acho que perdemos uma oportunidade de poder mostrar para o mundo a nossa capacidade, já demonstrada no passado, de administrar eventos desse porte. Só lembrando que foi no Brasil que aconteceu a Rio-92, que deu início a todas essas convenções (climáticas) e esses debates globais. Isso está marcado no nosso currículo para sempre. E cabe à gente manter isso associado ao nosso país. Para mim, a desistência de fazer a COP25 no Brasil foi um erro estratégico que não agrega nada ao nosso país. Economiza alguns reais, mas não traz nada de benefício em troca.
Como tem sido a avaliação interna e externa do Brasil em relação ao combate às mudanças climáticas?
Esse é um momento, como falei, de transição, de mudança substancial de orientação política e ideológica. Há muita curiosidade e interesse de entender quais são as propostas concretas. Acho importante separar isso em três etapas: o período eleitoral, a formação do governo e a execução do governo. Precisamos entender, claro, o que está se passando, mas a partir de janeiro, dos primeiros meses do ano que vem, é que a gente vai poder realmente entender as propostas concretas que serão postas à mesa e reagir a elas. Qualquer coisa agora, a meu ver, é antecipar um cenário que a gente não tem certeza qual é.
O que espero, como ambientalista e cidadão, é que o novo ministro do Meio Ambiente use os seus conhecimentos jurídicos e a sua vontade de combater a ilegalidade para combater o desmatamento ilegal.
O quanto um governo que não acredita nas mudanças climáticas prejudica o papel do país nessa questão?
Aí tem um risco grande. O primeiro país emissor do planeta, que são os Estados Unidos, já anunciou sua saída do Acordo de Paris. Se o primeiro país do mundo sai, o sexto ou sétimo país do mundo (o Brasil) sai também, tem um risco de criar um efeito dominó e você ter realmente uma desmoralização do Acordo de Paris e eventualmente uma fragilização da convenção do clima como um todo. Então o risco existe. O Brasil precisa colocar na equação da decisão não só seus interesses internos, mas também o seu papel como líder global. E um líder global, como o Brasil é, tem que assumir a sua responsabilidade e considerar, nas suas decisões, o peso dessa importância. Para o bem e para o mal, nós temos um peso no mundo. E, nesse caso da convenção do clima, esse peso é ainda maior. Degenerar a convenção do clima seria, como toda a ciência está indicando, deletério para toda a sociedade no planeta.
Como o senhor vê a nomeação de Ricardo Salles para o ministério do Meio Ambiente?
Eu não conheço a pessoa, não acompanhei a carreira dele, então não posso tecer grandes comentários. Mas vi que ele é um jurista, prega a legalidade, e nós temos hoje a maior parte do desmatamento no Brasil como ilegal. Se temos um ministro que preconiza a legalidade em um país que tem muito desmatamento ilegal, o que espero, como ambientalista e cidadão, é que ele use os seus conhecimentos jurídicos e a sua vontade de combater a ilegalidade para combater o desmatamento ilegal. Da mesma forma (combater) a violência no campo, em que o Brasil é líder mundial. A esperança que eu tenho é que ele vá colocar como prioridade combater a ilegalidade. Se isso for feito, uma boa parte do nosso problema do desmatamento, por exemplo, pode ser resolvido, se houver ações contundentes nesse sentido.
O Brasil, como país, tem retrocedido na área climática?
A ciência brasileira está produzindo muito para contribuir com esse debate. Temos uma sociedade civil que está entre as mais ativas do mundo. Temos inúmeras ONGs e institutos brasileiros de pesquisa que acompanham essa questão. A sociedade brasileira é das mais sensíveis do mundo nesse tema. Temos, no conjunto, setores empresariais que já estão enxergando isso inclusive como oportunidade. Tivemos, felizmente, nos últimos anos, uma ampliação dos investimentos em energia eólica. Estamos esperando sinais mais claros com relação à energia solar. O Brasil continua sendo um país muito ativo. Temos o melhor sistema de monitoramento de desmatamento do mundo. A sociedade continua sendo muito engajada, interessada e que contribui para o debate climático e a busca de soluções para o clima. De maneira geral, o Brasil continua com boas credenciais. Daí a nossa grande expectativa de que esse novo governo mantenha a linha e continue levando nossas ideias, nossas propostas para o mundo.
Qual a expectativa para a conferência do clima deste ano?
A grande expectativa para este ano é você sair com o livro de regras para o Acordo de Paris, que tem como base os compromissos dos países, as chamadas NDCs (sigla em inglês que significa Contribuição Nacionalmente Determinada). Cada país disse lá, voluntariamente, "eu vou reduzir tanto". Mas cada país tem uma métrica diferente, definiu um setor diferente para ser cobrado. Só que, do ponto de vista do clima, temos que ter um sistema de acompanhamento que possa ser único. Em última instância, o que queremos é o que o planeta diminua os teores de carbono na atmosfera. Sem um regramento que me permita fazer um acompanhamento dessas diferentes NDCs, como vou medir o efeito na prática? Sair com esse livro de regras do Acordo de Paris é a grande expectativa. Vamos ter que esperar os próximos dias.
*O repórter viajou à Polônia para a COP24 como integrante do Climate Change Media Partnership 2018, uma colaboração entre a Earth Journalism Network e a Stanley Foundation.