Principal acesso dos países do Mercosul ao Brasil, a BR-290 tem cerca de 630 quilômetros de Porto Alegre a Uruguaiana, marcados por buracos no asfalto, sinalização precária e falta de acostamento, o que provoca transtornos em caso de panes ou acidentes e aumenta os riscos aos motoristas.
A rodovia, que tem pista simples em praticamente toda a extensão e enfrenta sobrecarga de veículos, teve as obras de duplicação retomadas neste ano, com injeção de recursos públicos, mas os trabalhos ainda avançam em ritmo lento.
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Nos dias 15, 16 e 17 de maio, a reportagem do Grupo RBS percorreu a BR-290 para apontar os principais desafios aos condutores e as perspectivas de melhoria para a estrada. Duas equipes partiram em direção a São Gabriel, na Fronteira Oeste: uma saiu de Porto Alegre, e outra, de Uruguaiana. Concedida à iniciativa provada, a freeway, entre a Capital e Osório, não foi avaliada.
Veja a seguir, o que foi observado ao longo do percurso.
De Porto Alegre a Pantano Grande: primeiros 15 quilômetros têm as melhores condições da rodovia
A viagem começa no quilômetro 98, logo após a ponte móvel do Guaíba. Pelos próximos 15 quilômetros, a BR-290 tem pista dupla e as melhores condições de toda a extensão da rodovia. Mas logo após o antigo pedágio de Eldorado do Sul, segue em pista simples pelo restante do trajeto.
Logo no primeiro quilômetro, um problema que coloca em risco os usuários fica aparente: a ultrapassagem em local proibido. Desde 2017, esse tipo de manobra provocou 85 mortes em colisões frontais no trecho entre Eldorado do Sul e Uruguaiana (veja o gráfico abaixo).
— Como tem muito trânsito de caminhão, tem muita fila. Então, é muito comum o motorista perder a paciência e ultrapassar em local proibido, ou até mesmo em local permitido, mas sem a distância necessária, e causar um risco de acidente grave — alerta o chefe da delegacia da Polícia Rodoviária Federal de Eldorado do Sul, Felipe Barth.
A recente liberação de verbas garantiu uma "operação tapa-buraco", que melhorou as condições da pista em alguns pontos, mas que ainda não solucionou o problema maior na avaliação de motoristas.
— Desde o carregamento em São Paulo, passando por Paraná, Santa Catarina, o pior trecho de estrada que existe para chegar aqui na fronteira é a BR-290, de Guaíba até Alegrete — desabafa o caminhoneiro Daniel Rodrigues, 46 anos.
No acesso a Charqueadas, a pista se torna dupla por dois quilômetros, mas logo volta a afunilar. Nos quilômetros seguintes, três estruturas de viaduto parcialmente erguidas, no acesso ao bairro Parque Eldorado, em Eldorado do Sul, e duas em Arroio dos Ratos, expõem a duplicação que não saiu do papel. Em nota, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) esclarece que, "estas estruturas fazem parte das obras de duplicação da BR-290/RS (lote 2 de construção) e serão utilizadas na implantação da obra".
O caminho que passa pelas cidades de São Jerônimo, Butiá, Minas do Leão e Rio Pardo é percorrido sem maiores dificuldades, apesar do fluxo intenso de caminhões. No percurso, foi possível perceber marcas no asfalto que indicam buracos cobertos recentemente, mas sem recapeamento da pista.
Somente em Pantano Grande o avanço da duplicação é percebido. O trecho de 14 quilômetros recebeu, neste ano, verba para conclusão total. Foram liberados R$ 170 milhões para terminar esse trecho e para começar a obra em um outro ponto de 10 quilômetros da BR-290, entre os quilômetros 189 e 199, de Minas do Leão a Rio Pardo.
De Pantano Grande a São Gabriel: trecho exige maior atenção dos motoristas
São mais de 200 quilômetros de Pantano Grande até a cidade de São Gabriel. É nessa etapa do percurso que a rodovia começa a apresentar mais desafios aos mortoristas, com maior número de trechos com buracos e sem sinalização.
A partir do quilômetro 254, em Cachoeira do Sul, por exemplo, não há sinalização no asfalto, como marcação da pista com indicação de áreas de ultrapasagem. No entanto, isso se justifica pelo recapeamento que estava em execução no trecho na ocasião da passagem da reportagem. Os buracos estavam sendo cobertos e o asfalto estava sendo raspado para aplicação de uma nova camada, o que deve garantir maior durabilidade do reparo. As intervenções provocavam dois pontos de fluxo intercalado (sistema pare e siga) entre os dois sentidos.
Ponte parcialmente interditada
É a ponte sobre o Arroio Bossoroca, no quilômetro 353, próximo ao município de Vila Nova do Sul, que exige mais atenção dos motoristas. Parcialmente interditada há mais de um ano, a estrutura já chegou a ficar restrita para veículos pesados, que precisavam realizar um desvio. Atualmente, a pista no sentido interior-Capital está fechada, e operários orientam o trânsito na região com cones. Por conta dos problemas estruturais, apenas um sentido é liberado por vez, e os motoristas precisam aguardar parados a autorização para passar, inclusive à noite, no local que não possui iluminação.
A ponte já recebeu um reforço na sustentação, mas ainda tem rachaduras expostas. O Dnit ressalta que uma equipe técnica da autarquia está elaborando o projeto de recuperação da ponte para fazer novo processo de licitação. "O Departamento ressalta que já foram realizadas duas licitações consideradas desertas, ou seja, sem empresas interessadas em executar o projeto", diz em nota.
Passando a estrutura, são mais de 60 quilômetros até São Gabriel, com menos intervenções de "tapa-buraco" e mais problemas de sinalização. Também há desnível da pista em relação ao acostamento e ondulações provocadas pelo movimento intenso de carga pesada.
De Uruguaiana a São Gabriel: desníveis chegam a 10 centímetros
A partir da Ponte Internacional Getúlio Vargas/Agustín Pedro Justo, que liga Uruguaiana, na Fronteira Oeste, à cidade argentina de Paso de los Libres, o trecho até Alegrete é bem sinalizado, com divisão das pistas de ida e de retorno, além da demarcação do acostamento. O trecho tem poucos buracos, mas há ondulações na pista.
Chama a atenção, contudo, o desnível entre a pista e o acostamento. Passando o trevo de acesso à cidade de Quaraí, esse desequilíbrio se intensifica, chegando a 10 centímetros de altura.
Ainda em Uruguaiana, no trajeto até São Gabriel, a reportagem flagrou equipes limpando trechos do acostamento, mas, nos quilômetros 684 e 663, galhos de árvores invadiam a pista.
— Vejo muitos caminhões desviando de árvores. No caso dos caminhões-cegonhas, pode causar avaria, arranhando um carro, uma caminhonete, dependendo do que eles carregarem. É um transtorno. Isso aí vai para o seguro — contou Denis Alves Oliveira, 41 anos, motorista carreteiro que viaja pelos países do Mercosul.
"Com relação ao corte das árvores que ficam às margens da rodovia, assim como sobre o reforço da sinalização da via, o trabalho é realizado em conjunto com as ações de roçada e limpeza", responde o Dnit, que acrescenta: "Com relação ao desnível entre a pista e o acostamento na BR-290/RS, o DNIT informa que, no trecho entre São Gabriel e a interseção com a BR-153 Sul, estão sendo realizados prioritariamente serviços de manutenção de pista, buscando devolver o padrão de condições de trafegabilidade da rodovia".
Perto do trevo de acesso a Alegrete, a pista tem muitos buracos, nos dois sentidos.
— Eles recapam a rodovia, mas é um buraco atrás do outro. Tu tem que tomar cuidado senão tu provoca um acidente, cai num buraco, corta um pneu. Se tu não andar te cuidando, tu fica na estrada — avalia Carlos Alberto Lima de Souza, 52 anos, borracheiro há mais de 18 anos e que socorre motoristas na entrada de Alegrete.
Do quilômetro 596 até o trevo, o acostamento, por vezes, fica estreito.
— É muito perigoso para a gente encostar. É muito estreito. Tem que arrumar mais o acostamento. Dependendo da carga que você está trazendo, você não pode encostar, senão, tomba o caminhão — comenta Guillermo Ortigoza, 35 anos, caminhoneiro argentino que estima gastar até R$ 300 com a manutenção do veículo ao viajar entre Porto Alegre e alguma cidade da Argentina.
Ainda em Alegrete, o trecho entre os quilômetros 535 e 533 foi revitalizado, mas está sem sinalização em alguns locais.
Chegando a Rosário do Sul, os buracos reaparecem.
— Rosário tem uma parte que é impossível de andar. Se você é motorista novo, tem que andar com cuidado. E mesmo nós, que já conhecemos a região, temos que andar com precaução — acrescenta Ortigoza.
Foi neste trecho que o caminhoneiro Lucas Oliveira Dummel, 37 anos, teve que parar no acostamento à noite com dois pneus furados.
— É horrível. A buraqueira está horrível, horrível. Na beira da faixa, não dá para ficar. No escuro, é perigoso. O caminhão é do patrão, daí, é o patrão que gasta. É pneu, é mola, é tudo. Tudo estraga - desabafou.
"Tecnologia tem que fazer parte da infraestrutura"
O caminho até São Gabriel ainda reserva desníveis nas cabeceiras das pontes em Alegrete e Rosário do Sul, o que provoca solavancos para os motoristas. Sobre este ponto, o Dnit explica que "os desníveis existentes ocorrem devido ao próprio processo de adensamento das cabeceiras, que foi acentuado após as fortes chuvas da primeira semana do mês de maio. A correção destas irregularidades já está programada com a empresa responsável pela manutenção do trecho e deverão ser solucionadas em breve".
Outra questão é que os aparelhos celulares deixam de ter sinal em alguns pontos.
— Ainda falta pensar na infraestrutura tecnológica. Quem anda pela rodovia sabe quanto é difícil mantermos um sinal de celular de forma permanente, seja qual for a operadora. E o celular ajuda no rastreamento dos caminhões, no acompanhamento das cargas. É importante, em caso de acidente, ter um sinal de celular para avisar e dar um alerta. Então, a tecnologia também tem que fazer parte de todo esse trabalho de infraestrutura que as nossas estradas necessitam — avaliou Gladys Vinci, diretora-executiva da Associação Brasileira dos Transportadores Internacionais.
Em resposta por e-mail à reportagem, a Anatel afirma que "até a edição do Edital 5G, no final de 2021, as obrigações de cobertura com rede móvel estavam restritas às áreas urbanas das sedes dos municípios, por isso, muitas vezes, ao longo das rodovias não havia disponibilidade do sinal". A empresa também informa que "o Edital 5G estabeleceu a obrigação de atender 2.349 trechos de rodovias federais com 4G, totalizando 35784 km (totalidade das rodovias federais pavimentadas). A cobertura total segue cronograma anual e deve estar concluída até 2029".