Em março de 2004, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, respectivos presidentes do Brasil e da Argentina, à época, se encontraram no Rio de Janeiro e anunciaram medidas de cooperação entre os dois países. A principal delas passava pela BR-290, para a criação de uma rota que seria chamada de "Autoestrada do Mercosul", que criaria uma via totalmente duplicada entre Buenos Aires e São Paulo, passando por capitais como Porto Alegre, Florianópolis (SC) e Curitiba (PR).
Passados 19 anos, a BR-101, que liga o Rio Grande do Sul à região Sudeste pelo litoral, foi totalmente duplicada nos trechos gaúcho e catarinense. O acordo avançou também pelo lado argentino, com a duplicação da Ruta Nacional 14, que sai de Buenos Aires e avança em direção às províncias de Corrientes e Misiones. Em Paso de Los Libres, a rodovia dá acesso ao Brasil por Uruguaiana, pela Ponte Internacional Getúlio Vargas/Agustín Pedro Justo. O único trecho que não foi duplicado foi o da BR-290.
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Na Assembleia Legislativa, uma Frente Parlamentar pela duplicação da BR-290 foi instalada em 2017 para pressionar o governo federal a dar continuidade às obras e intermediar, com a bancada gaúcha no Congresso, a liberação de emendas parlamentares para os serviços.
— É uma prioridade do governo federal e a nossa Frente Parlamentar, com deputados de vários partidos, está atuando de forma conjunta para pressionar e ajudar naquilo que for preciso — diz o presidente da Frente, deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT).
Dos mais de 2,5 mil quilômetros desse percurso, os cerca de 630 quilômetros em que a BR-290 se estende de Uruguaiana até Eldorado do Sul são os únicos incompletos.
— Na Argentina, está tudo duplicado desde Buenos Aires até Paso de Los Libres. O Brasil ainda não conseguiu chegar lá. A BR-290 ainda não tem nenhum trecho duplicado no nosso caminho. Tem a intenção de duplicar (de Eldorado do Sul) até Pantano Grande, mas ainda estamos muito longe de cumprir com o acordo firmado há quase 20 anos — diz a diretora-executiva da Associação Brasileira dos Transportadores Internacionais, Gladys Vinci.
Para quem vem da Argentina, a ponte que liga os dois países é o primeiro desafio. Isso porque o trecho de pista única e sem acostamento se torna inviável em caso de acidentes ou pane mecânica. Foi o que aconteceu no dia 16 de maio, enquanto a reportagem percorria o trecho para um "raio-x" da rodovia. O caminhão conduzido por James Duran Valau, 30 anos, estragou em cima da ponte.
— Saí de Uruguaiana para ir a Paso de los Libres. O caminhão estragou em cima da ponte. A gente tem que ficar balizando para os veículos poderem desviar — relatou, enquanto sinalizava o trânsito e aguardava a chegada de um mecânico.
Mesmo sem a duplicação, esse é um dos principais acessos de estrangeiros ao Brasil. Nas primeiras duas semanas de 2023, chegou a superar o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, segundo dados da Polícia Federal (veja o gráfico abaixo).
Além do período de veraneio, quando a estrada é tomada por carros de turistas rumo a praias gaúchas e catarinenses, a BR-290 tem um segundo período de maior movimento. É entre março e abril, quando a safra do arroz começa a ser distribuída no restante do país. Os caminhões se multiplicam e os problemas ficam mais evidentes.
— Na época do verão, aumenta 50% o meu serviço por causa dos buracos. Mas, na safra, é quando a gente mais tem serviço aqui. Vem bastante caminhão de fora. Meu serviço aumenta de 400% a 500% — contou o borracheiro Carlos Alberto Lima de Souza, 52 anos, que há 18 anos socorre motoristas com pneus furados na rodovia.