O céu do Rio Grande do Sul vem recebendo especial atenção nas últimas semanas: luzes flagradas à noite por pilotos, astrônomos, ufólogos e leigos despertam curiosidade sobre a origem dos fenômenos, presenciados em diferentes cidades do país. GZH compilou o que se sabe até agora sobre as luzes desconhecidas vistas à noite no céu do RS até o momento.
O primeiro registro que se tem notícia no Brasil ocorreu em 22 de outubro e o último, na terça-feira (8), em dezenas de relatos em dias consecutivos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais. Muitos dos testemunhos estão concentrados na região de Porto Alegre e no litoral norte gaúcho. Há, inclusive, na Argentina e no Uruguai.
As luzes estão sendo chamadas, por enquanto, de ovni (objeto voador não identificado). Não confunda o termo com nave espacial de extraterrestre. Como diz a própria sigla, ovni é apenas um objeto no céu cuja origem é, no momento, desconhecida - pode ser até mesmo um drone cujo dono não se sabe.
Por enquanto, ninguém cravou o que de fato são as luzes. Nem mesmo a Aeronáutica, que se limita a dizer que “nenhum objeto desconhecido foi identificado pelos radares de defesa aérea” e que o tráfego aéreo está seguro. Astrônomos e ufólogos ainda estão estudando os fenômenos para chegar a uma conclusão.
Com 49 anos de pesquisa acadêmica em física e astronomia, o professor Luiz Augusto L. da Silva, coordenador do Núcleo de Astromídia da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica, ressalta que apenas a primeira ocorrência, na noite de 22 de outubro, pode ter sido fenômeno natural - as aparições dos dias seguintes, diz, ainda é cedo para definir. Na data, o voo 4517 da Azul passava sobre Santa Catarina por volta das 22h30min, com destino a Porto Alegre, quando os pilotos reportaram o avistamento de uma luz. Não havia outro avião nos radares naquele momento.
— Era a estrela Canopus, a segunda estrela mais brilhante no céu, e que, naquela hora da noite, nesta época do ano, está mais baixa sobre o horizonte Sul/Sudeste e muito brilhante. Estes dias, eu mesmo me surpreendi com as cintilações de Canopus devido à turbulência da atmosfera, por volta das 21h, e os flashes de luz azul reportados pelos pilotos — conta Silva.
Nas aparições seguintes a 22 de outubro, Silva descartou ser a mesma estrela porque os relatos são de várias luzes. O movimento visto em Torres, por exemplo, não tem uma única trajetória, mesma opinião de outros pesquisadores. Outra questão apontada pelo astrônomo é que as imagens que surgiram mostram luzes aparecendo e sumindo um ângulo de céu menor do que seria a movimentação de um satélite.
— O que temos até agora são luzes que parecem satélites em movimento, mas não seriam devido ao horário. Normalmente, eles (satélites) são visíveis logo após o pôr do sol ou antes do nascer do sol, que é quando a atmosfera costuma ser iluminada por raios solares e eles começam a refletir a luz solar. Então, não sei se a hipótese de satélites se oferece como a melhor para explicar as ocorrências — justifica.
A possibilidade de que as luzes se originam em satélites é defendida pelo professor de Astronomia e diretor do Planetário da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Guilherme Marranghello. Ele também cita que os padrões de luz são repetitivos, além de ocorrerem em dias consecutivos. O professor descarta a possibilidade de serem meteoros.
— Quando as luzes são esporádicas e isoladas, são fenômenos atmosféricos, como um meteoro entrando na atmosfera. Quando repete muito, procuramos outra explicação, porque a luz se repete com o mesmo padrão. Quando isso acontece, em geral procuramos explicação em satélites que orbitam a Terra. Há toneladas de satélites no espaço hoje, alguns ativos e outros inativos — afirma.
Cauteloso, o fundador do Centro de Estudos Ufológicos (CEU) do Litoral Norte, Daniel Christian, afirma que ele e outros ufólogos estão reunindo material, como a posição de estrelas mais brilhantes e a comparação de horários de satélites - alguns, inclusive, passaram no mesmo horário dos relatos de pilotos.
— O que temos de concreto é que este fenômeno iniciou na Argentina e no Uruguai, em outubro, pouco antes de ocorrer no Rio Grande do Sul. Depois, teve aquele em 22 de outubro, em Santa Catarina. Estamos ainda fazendo a cronologia dos fatos. É preciso cuidado ao analisar a questão, pois são várias situações diferentes. Tem ovnis, mas também satélites, um vídeo que parece ser holofote. Ainda estamos vendo se houve reentrada de lixo espacial. É preciso eliminar para termos certeza de que é ovni mesmo — afirma.
Confira imagens de dois momentos em que as luzes são flagradas no céu do RS:
Podem ser aeronaves militares?
Não. Em evento nesta quinta-feira (10), GZH questionou o comandante da Base Aérea de Canoas, coronel-aviador Marcelo Zampier Bussmann, que descartou a possibilidade e afirmou que o tema é tratado pelo Departamento do Espaço Aéreo.
— Até agora, o que se sabe é que não houve nenhum contato (de aeronave) por radar. As operações aéreas de circulação continuam sendo realizadas com total segurança. Não há nenhum indício de perigo à segurança das operações aéreas. A segurança está mantida no nível de excelência — afirma.
Indagado se os exercícios militares em desenvolvimento no Estado podem ter conexões com os avistamentos, o comandante “descarta totalmente” a possibilidade. Uma fonte militar que acompanhava as simulações em Canoas afirmou, sob anonimato, que os avistamentos recentes não possuem explicação lógica até o momento:
— A gente (oficial da Aeronáutica) não fala porque não sabe o que é.
Pode ser satélite?
Sim. Esta é, inclusive, a hipótese mais plausível de acordo com a avaliação de especialistas. A Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros fez um experimento recriando as condições que provocariam as luzes. No vídeo, o diretor técnico Marcelo Zurita usa um laser, um globo terrestre e um espelho para projetar o sol, a terra e satélites. Nas imagens (confira abaixo) é possível ver que a combinação do eixo de inclinação da Terra, nesta época do ano, com os novos equipamentos que foram mandados para o espaço é a receita certa para a explicação dos fenômenos.
Pode ser disco-voador?
Poder, até pode. Diretor do Planetário da Unipampa, Marranghello cita que, enquanto a origem das luzes não é cravada, o método científico estabelece que todas as cartas estão na mesa. Contudo, a possibilidade é remota.
— Pode ser alienígena, ainda não sabemos o que é. A pergunta é: por que estariam passeando no céu de Porto Alegre? Vivemos em uma galáxia com 200 bilhões de estrelas e, provavelmente, quase todas têm planetas girando ao redor. É presunção acharmos que estamos sozinhos no Universo. Além disso, nossa diferença de DNA não é tão diferente da de formigas, e nós não paramos para conversar com formigas. Outra civilização pode achar que somos insignificantes, assim como vemos as formigas. Por que usariam luzes piscantes nas naves? Para sinalizar para onde estão indo? Uma mega civilização dá pisca para a esquerda ao dobrar em Porto Alegre? — brinca.
Mesma avaliação é a do criador do projeto Astronomia para Crianças e físico Cesar Eduardo Schmitt. Ele acrescenta que as distâncias são muito longas no espaço, impossibilitando o aparecimento de uma “nave extraterrena” sobrevoar a Terra.
— No nosso sistema solar, não temos nenhuma civilização inteligente e nem próxima de nós. Para que uma civilização chegasse à Terra, teria que viajar por centenas ou milhares de anos na velocidade da luz, o que já é uma impossibilidade física, porque teria que se movimentar, a cada segundo, 300 mil quilômetros. Mesmo que uma civilização exista a uma distância de 2 mil anos luz da Terra, algo que seria do outro lado da rua em termos de Universo, e saia hoje na velocidade da luz para nos visitar, ela chegaria à Terra daqui a 2 mil anos. Provavelmente, quando chegasse, não teria mais civilização porque, do jeito que estamos tratando nosso planeta, vamos nos destruir antes — explica Schmitt.
Pode ser drone?
Proprietário de três empresas que disponibilizam serviços com drone, Patrick Carrion, de Cachoeirinha, atua na área desde 2009 e afirma ser impossível um drone produzir as luzes avistadas no céu de Porto Alegre.
— Para fazer tudo o que relataram, é bem complicado achar equipamentos que façam exatamente daquele jeito, nas alturas que, provavelmente, foram feitos. Não existe no mercado um drone pronto para isso. A não ser que alguém tenha projetado e fabricado — explica.
De acordo com Patrick, um drone pode alcançar até quatro mil metros de altura. Um único aparelho, em teste no Monte Everest, chegou a sete mil metros. Drones fabricados para corridas, acrescenta, podem alcançar uma velocidade de 200km/h, mas não serviriam para serem programados para um teste com luzes.
O especialista acrescenta ser possível juntar e programar um grupo de drones para formar imagens no céu, como ocorre em grandes eventos. Mas, ainda assim, não passariam de uma altura de 100m.
— Há drones específicos usados em guerra, por exemplo, que podem voar alturas maiores. O que estão falando sobre estas luzes serem drones é possível, mas bem difícil. Só por hobby, é complicado — ressalta.
Veja uma linha do tempo resumida de alguns avistamentos no céu
- A primeira luz foi avistada em Santa Catarina, na noite de 22 de outubro, por pilotos que comandavam um voo da Azul, saindo de São Paulo, em direção a Porto Alegre. Quando os pilotos comunicaram o avistamento da luz, o controle de tráfego aéreo respondeu que radares não detectaram outras aeronaves na região. Os pilotos ainda confirmaram que não visualizavam nenhum avião por perto.
- Posteriormente, na noite de 4 de novembro, passageiros de um voo do Rio de Janeiro com destino a Porto Alegre relataram que pilotos avistaram mais objetos luminosos. Eram vários objetos voadores em rápido movimento e com luzes trocando de cores no céu no sentido da Lagoa dos Patos.
- Na noite seguinte, em 5 de novembro, mais pilotos voltaram a relatar objetos luminosos, agora no céu de Porto Alegre. As luzes eram semelhantes às relatadas na véspera.
- Na madrugada do dia 6 para o dia 7, por volta das 00h16min, um piloto que chegava a Porto Alegre comunicou à central de comando o aparecimento de luzes. Novamente, em 7 de novembro, pilotos que partiam do Rio de Janeiro e de Florianópolis com destino a Porto Alegre também relataram luzes no céu, à noite.
- Na última terça-feira (8), um piloto da GOL que saíra de Florianópolis e chegava ao Rio Grande do Sul também informou avistar luzes no céu. Outro relato ocorreu em um voo da Gol de São Paulo a Porto Alegre.