Relatos de pilotos sobre o aparecimento de luzes no céu do Rio Grande do Sul vêm gerando curiosidade e especulações desde o último sábado (5). Pelas redes sociais, circulam diferentes imagens e informações a respeito desses objetos luminosos de origem ainda desconhecida. Muitas delas, entretanto, podem não ser reais.
GZH elaborou um resumo sobre o que se sabe, até o momento, em relação aos relatos sobre as luzes, que tiveram início ainda no mês de outubro. Confira:
Quando as luzes começaram a aparecer?
O primeiro relato registrado por GZH foi na noite de 22 de outubro, um sábado, quando pilotos do voo 4517, da companhia Azul, informaram ao controle de tráfego aéreo que avistaram uma luz de origem desconhecida, por volta das 22h30min, enquanto sobrevoavam Santa Catarina. Na ocasião, não foi detectada a presença de outras aeronaves nas proximidades nem uma fonte luminosa perceptível. O relato aconteceu durante uma transmissão ao vivo realizada no canal do YouTube Câmera Porto Alegre, destinado a registros de viagens aéreas do Aeroporto Internacional Salgado Filho, na Capital.
Quantas vezes as luzes foram avistadas?
Até o momento, há diversos relatos em seis noites diferentes. O segundo ocorreu na noite de 4 de novembro, quando piloto e comissários de bordo do voo 4248, também da companhia Azul, teriam dito aos passageiros sobre o avistamento de vários objetos voadores não identificados se movendo rapidamente e luzes trocando de cores no céu, no sentido da Lagoa dos Patos. Conforme passageiros ouvidos pela reportagem, o piloto chegou a comentar que outros colegas teriam avistado os objetos luminosos quando sobrevoaram o mesmo local.
O professor Carlos Jung, coordenador do curso de Engenharia de Produção das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat) e um dos fundadores do Observatório Heller & Jung relatou a GZH que o telescópio do observatório conseguiu captar um objeto desconhecido nesse mesmo dia do relato dos pilotos, mas que não conseguiu identificar o que era:
— Encontrei algo na direção da Lagoa dos Patos no dia 4 de novembro, às 23h22min. Não identificado mesmo.
Já na noite de 5 de novembro, último sábado, gravações não oficiais feitas por equipamentos instalados nas proximidades do aeroporto Salgado Filho revelaram que mais pilotos teriam enxergado no céu luzes azuis não identificadas. Uma das câmeras, inclusive, gravou o que seriam essas luzes.
Na madrugada de domingo (6) para segunda-feira (7), por volta das 00h16min, um piloto que estava chegando em Porto Alegre comunicou à central de comando o aparecimento de luzes. Já na noite de segunda-feira, foram dois relatos sobre o avistamento de luzes no céu do RS ao controle de tráfego aéreo do aeroporto da Capital. Entre a noite de terça-feira (8) e madrugada desta quarta (9), foram registrados pelo menos outros cinco relatos de diferentes pilotos.
Como são essas luzes?
Em 22 de outubro, um dos comandantes do voo da Azul, que partia de São Paulo com destino a Porto Alegre, afirmou que as luzes não eram cíclicas: “Elas aparecem e somem”, descreveu. Outro piloto também relatou perceber que não havia um padrão de circuito de tráfego no movimento das luzes e que parecia um movimento luminoso aleatório.
Já na gravação do relato de 5 de novembro, o piloto do voo TAM 3406, da Latam, narrou o avistamento das luzes sobre Porto Alegre, afirmando que os objetos apresentavam sinais luminosos intercalados com momentos de apagão: “Umas luzes, por vezes, elas apagam, ou acendem. Às vezes, são uma, às vezes, duas ou três”. Em outro momento, relatou que “elas são azuis, continuam aparecendo e se cruzando no céu”.
Nessa mesma conversa, um funcionário do controle de tráfego questiona um piloto da Azul sobre as luzes. Ele responde que “são três luzes girando em espiral entre elas aqui bem forte” e que elas “estavam bem mais altas que a gente e na nossa proa durante o voo todo”.
O comandante Daniel Medina Guimarães, 56 anos, contou ao colunista de GZH Rodrigo Lopes que avistou as luzes na noite de 4 de novembro, no momento dos procedimentos para pouso no Aeroporto Salgado Filho. Ele disse que pensou que fosse um satélite, mas que “aquilo foi aparecendo constantemente”, e deu mais detalhes sobre o que viu:
— Uma luz muito forte, uma intensidade muito mais forte do que qualquer luz que a gente conheça. E com cores: em determinados momentos, um branco muito vívido, e em determinados momentos, umas luzes em uma cor misturada entre o vermelho e o verde. O que chamou atenção é que começaram a aparecer sempre no mesmo lugar e em movimento circular. Pareciam duas luzes, uma vinha, enquanto a outra ficava mais fraca. Em seguida, as duas ficavam fracas. Daqui a pouco, uma delas ficava mais forte.
Onde as luzes já foram vistas?
A maioria dos relatos descreve o avistamento das luzes ao se aproximar de Porto Alegre. Pilotos citaram a região da Lagoa dos Patos, da serra gaúcha e de Torres, no Litoral Norte (veja vídeo no início desta reportagem). Além do RS, as luzes foram vistas em Santa Catarina e, conforme um piloto do voo 4657, da Azul, em 5 de novembro, os objetos luminosos foram observados desde Confins, em Minas Gerais.
Qual a origem das luzes?
Até o momento, especialistas não sabem afirmar com absoluta certeza qual é a origem das luzes descritas pelos pilotos. Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta, o presidente do Movimento Gaúcho de Ufologia (MGU) e coordenador do Grupo Aldebaran de Investigações e Debates Ufológicos (Gaedu) Odone da Costa afirmou que provavelmente estamos diante de uma onda ufológica, que é uma sucessão de eventos onde o foco são essas luzes, que são chamadas de objetos voadores não identificados pela sociedade ufológica.
— Isso não significa que nós estamos diante de algo de origem de fora da Terra, muito embora, por todas as características relatadas, pelos depoimentos de pilotos, seja provável que por trás desse fenômeno exista alguma inteligência — disse.
Conforme o Estadão, por mais que pareça remeter imediatamente a extraterrestres, a sigla óvni é usada para se referir a qualquer objeto no céu sobre o qual não se saiba a origem natural em um primeiro momento, de acordo com a definição apresentada pelo Arquivo Nacional (Sian), do governo federal.
Quais são as hipóteses de especialistas?
Especialistas apontam que existem diversas hipóteses sobre os registros de luzes, que vão desde fenômenos físicos até elementos mais simples. Além disso, em cada dia pode haver uma explicação distinta.
O professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor em astrofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rogemar André Riffel acredita que uma das principais hipóteses seja a reflexão difusa. Segundo ele, as nuvens podem se comportar como grandes espelhos e a luz que incide sobre elas pode ser refletida, gerando pontos luminosos. Carlos Jung concorda, e complementa que as luzes podem ser originadas de holofotes utilizados, por exemplo, em festas e comemorações.
Outra possibilidade é um fenômeno chamado sprite, que pode ser definido como um evento luminoso transitório e rápido de origem elétrica que ocorre acima das nuvens, quando há iminência de tempestade. Isso explicaria os padrões de aparecimento e desaparecimento rápido e repentino das luzes, como relataram os pilotos.
Explicações como a passagem de satélites Starlink pela atmosfera terrestre não são descartadas pelos dois especialistas, que consideram também uma possível relação das luzes com a passagem de drones, balões atmosféricos e lixo espacial, como já ocorreu em outros relatos de objetos voadores inicialmente não identificados ao longo dos últimos anos.
Em relação às luzes avistadas no céu de Torres, entre segunda e terça-feira, Jung acredita que tenham relação com passagem de algum objeto espacial como um drone, já que o céu estava limpo e sem a presença de nuvens. Nos demais casos, o fenômeno da ilusão ótica também foi cogitado por Jung, considerando que isso poderia ocorrer porque, principalmente durante os voos noturnos, os comandantes perdem a noção de espaço.
A possibilidade de as luzes serem oriundas de meteoros, no entanto, foi descartada por Riffel. Já Odone da Costa descartou a hipótese dos satélites, afirmando que esses objetos são vistos mais cedo e têm um movimento ordenado, diferente daquilo que foi descrito pelos pilotos.
Hernan Mostajo, diretor do Observatório de Astronomia Cosmos, em Itaara, que começou a observar esses fenômenos no final de outubro e montou uma equipe para levantar dados sobre os relatos, chama a atenção para dois fatores: são avistamentos feitos por pilotos, pessoas qualificadas, e estão ocorrendo em grande altitude. Diante disso, descarta algumas possibilidades, afirmando que um drone não consegue chegar nessa altitude e que meteoritos não são visíveis como pontos de luz, que aparecem e desaparecem. Relações com tempestade magnética atmosférica e lixo espacial também são desconsideradas pelo especialista.
— Descartada as possibilidades de fenômenos astronômicos e meteorológicos, partimos para a possibilidade mecânica: será que alguém está usando um canhão de luz? Será que alguém usou um laser astronômico, que é muito potente? Temos na serra gaúcha um grande evento acontecendo, que poderia ser uma fonte dessas luzes. Uma pessoa da nossa equipe já foi designada para verificar isso com base em dados técnicos — afirma, já citando um contraponto:
— Geralmente um canhão de luz deixa um rastro luminoso. É da natureza do piloto saber identificar um canhão de luz. Então, isso talvez seja descartado. Mas hoje temos canhões de luz com alta tecnologia, que podem fazer um reflexo em grande altitude, geralmente em alguma nuvem. Enfim, o avistamento dos pilotos traz uma incógnita, um mistério, que hoje classifico como um fenômeno aéreo não identificado.
Mostajo enfatiza ainda que não se trata de uma pesquisa ufológica, mas sim científica, que exige tempo, preparação e profissionais qualificados para auxiliar na resposta que a sociedade está pedindo.
Já Adolfo Stotz Neto, presidente do Grupo de Estudos de Astronomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor dos cursos de extensão de Astronomia, aposta que são objetos produzidos por seres humanos: satélites, balões meteorológicos, laser, aviões clandestinos, aviões pequenos que não aparecem no radar ou, até mesmo, um drone. Ele justifica que é complexo estimar a distância e altura da luz, então, não se sabe exatamente qual a localização desse objeto luminoso.
As imagens não ajudam a identificar a origem das luzes?
Jung ressalta que muitas imagens divulgadas no ambiente digital são de fontes pouco confiáveis e podem ter ser sido alteradas. Além disso, alguns registros não contam com uma boa qualidade, o que pode também gerar ilusão ótica nos espectadores.
— As imagens estão "contaminadas". Houve muita divulgação. Vai ser difícil a partir de agora saber o que é real ou não — argumenta o fundador do Observatório Heller & Jung.
O que dizem as autoridades?
Em comunicado enviado à imprensa, a Fraport, administradora do Aeroporto Salgado Filho, informou que não tinha registro sobre os casos. Já a Força Aérea Brasileira afirmou que, nos dias 4 e 5 de novembro, o controle do espaço aéreo "ocorreu dentro da normalidade, não havendo registro de ocorrência aeronáutica no Estado do Rio Grande do Sul. Nenhum objeto desconhecido foi identificado pelos radares de defesa aérea". A FAB não respondeu ao questionamento da reportagem sobre se haverá uma investigação para apurar o episódio.
O que dizem as companhias aéreas?
Quando consultadas pela reportagem de GZH no domingo (6), as companhias aéreas Azul e Latam não citaram o caso específico das luzes, mas destacaram que seus tripulantes são treinados e orientados a reportarem qualquer eventualidade de forma imediata ao controle de tráfego aéreo:
“A LATAM informa que os seus tripulantes são treinados e orientados a reportarem qualquer eventualidade de forma imediata ao controle de tráfego aéreo para as devidas orientações. A companhia reitera que segue os mais elevados padrões de segurança, atendendo aos regulamentos das autoridades nacionais e internacionais”.
“A Azul informa que seus Tripulantes seguem os mais rigorosos protocolos de segurança e que, qualquer eventualidade, é comunicada imediatamente ao controle de tráfego aéreo e segue para investigação das autoridades competentes”.