Ao ser avisada por uma amiga que sua foto estava atrelada à expressão “cabelo feio” no Google Imagens, a relações públicas Luana Daltro, 26 anos, abriu o buscador e foi checar a informação. Ao digitar as duas palavras-chave, lá estava a imagem dela e de outras tantas mulheres negras com seus volumosos cabelos crespos e cacheados.
A conexão entre a foto da jovem e a expressão está relacionada a uma entrevista em que ela justamente nega a afirmação de que o cabelo crespo é feio:
— Na reportagem, estou negando essa narrativa. Então, ver a imagem de mulheres negras atreladas a esse conceito no maior buscador do mundo é muito perverso. A sociedade já fala isso para nós desde a infância, aí, até os algoritmos fazem essa associação de palavras e imagem. Tudo isso foi de uma violência mental muito grande. Questiono se mulheres brancas produtoras de conteúdo nunca fizeram postagens reclamando de seus cabelos ou usaram o termo feio para não aparecerem também como resultado nesta busca.
A cientista da computação Ana Carolina da Hora explica que, sim, há milhares de conteúdos de pessoas brancas que reclamam de seus cabelos. O problema é o algoritmo de busca do Google, influenciado por uma base de dados que parece não ser diversa e que não elenca essas publicações como relevantes, logo, elas não aparecem nas primeiras páginas de resultado do buscador.
O mecanismo de funcionamento dessa plataforma é uma caixa preta, e alguns pesquisadores têm debatido e discutido sobre o enviesamento na plataforma do Google por meio de pesquisas feitas – há alguns indícios de que a gigante da internet faz uma espécie de match entre imagens e palavras-chave, de acordo com a base de dados que ele já tem. Quando essa base de dados é alimentada de qualquer maneira, os algoritmos continuam trabalhando de forma enviesada também.
Houve uma escolha neste processo do programador. Ele deu o início a essa associação ao mostrar que o belo é branco é o feio é negro, e o algoritmo seguiu operando dentro desta lógica de conectar características negras ao feio
ANA CAROLINA DA HORA
Cientista da computação
— O contexto está viciado. O certo é questionar o mecanismo de busca aplicado. O algoritmo se aprimora e internaliza associações racistas. Contudo, isso aconteceu porque a base de dados dessa plataforma não é diversa, porque as pessoas que treinaram esse algoritmo não são diversas e carregam a sua bagagem cultural e social para dentro da tecnologia. O primeiro passo para que esse tipo de associação não aconteça é a revisão da base de dados. Há de se considerar a inclusão de vieses intencionais, contrários aos vieses discriminatórios ou até usar técnicas de agrupamento de dados para identificar grupos enviesados e penalizar isso de alguma forma — afirma a cientista da computação.
A professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernanda Carrera pontua ainda que é preciso entender o motivo pelo qual a programação do buscador entende como mais relevante e, consequentemente, oferece como resposta mulheres negras de cabelos crespos para as palavras "cabelo feio".
— Houve uma escolha neste processo do programador. Ele deu o início a essa associação ao mostrar que o belo é branco é o feio é negro, e o algoritmo seguiu operando dentro desta lógica de conectar características negras ao feio. Contudo, essas atribuições de relevância podem ser revistas, e a popularidade para o termo "cabelo feio" pode ser de outras imagens, assim como são alterados frequentemente quais sites aparecem como resposta para alguns vocábulos na busca geral — observa.
A professora cita também outros casos observados em suas pesquisas. Ao digitar as palavras "mulher negra", eram exibidos resultados ligados a pornografia. Isso ocorreu porque as pessoas clicavam em conteúdo deste teor quando pesquisavam por essas palavras. Como consequência, a plataforma deslocou a exibição desse tipo de imagem para o topo da lista de resultados no setor de fotos:
— Tem movimentação da sociedade que é racista e sexista, mas também preguiça e desinteresse do Google em reverter isso e não exibir esse tipo de resultado como prioritário. Interessante notar que quando escrevemos “bad hair day” e vamos para as imagens aparecem, majoritariamente, mulheres brancas. Como se um dia com cabelo desgrenhado fosse normal às mulheres brancas e o cabelo feio, como algo permanente, fosse intrínseco, natural a pessoas negras.
Luana tentou entrar em contato com o Google para reverter a situação, mas não obteve retorno.
O que diz o Google
Por meio de nota, a empresa afirma que "os sistemas de pesquisa do Google Imagens levam em consideração vários fatores, incluindo a correspondência de palavras, para exibir resultados". Pontua ainda que, para diversos dos resultados, as palavras aparecem, inclusive, em reportagens em que pessoas negras estão denunciando episódios de racismo que enfrentaram em função de sua estética.
A companhia diz que criou o mecanismo de legendas "para ajudar as pessoas a entenderem por que essas imagens são relevantes para a consulta". Por outro lado, reconhece que "a associação pode ser preocupante e dolorosa para quem vê, sem que se tenha o contexto mais amplo. Garantir que todas as pessoas e comunidades possam encontrar resultados úteis no Google Imagens é algo com que nos preocupamos profundamente e estamos trabalhando ativamente para melhorar".